quarta-feira, 1 de maio de 2013

S. Martinho de Anta, 1 de Maio de 1975.

Instalado no pátio, vou lavrando prosa. O ar cheira a pólen, a azálea amarela florida é um sol vegetal, o ninho de melro ainda fumega da procriação, a primavera estala por todas as costuras da vida. Um carreiro que passa atrás do carro carregado leva mais música na batuta da aguilhada do que um maestro a caminho do palco. E paro de escrever. A laboriosa página que me saía da pena mete dó ao lado da página aberta do universo. Voltarei à carga logo à noite, emparedado no quarto, com a natureza a dormir lá fora. Então, a imaginar o que já não posso ver, nem cheirar, nem ouvir, talvez eu consiga dar-lhe no papel o esplendor e a verdade de uma revelação que surpreenda os meus próprios sentidos.
Miguel Torga

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