Instalado no
pátio, vou lavrando prosa. O ar cheira a pólen, a azálea amarela florida é um
sol vegetal, o ninho de melro ainda fumega da procriação, a primavera estala
por todas as costuras da vida. Um carreiro que passa atrás do carro carregado
leva mais música na batuta da aguilhada do que um maestro a caminho do palco. E
paro de escrever. A laboriosa página que me saía da pena mete dó ao lado da
página aberta do universo. Voltarei à carga logo à noite, emparedado no quarto,
com a natureza a dormir lá fora. Então, a imaginar o que já não posso ver, nem
cheirar, nem ouvir, talvez eu consiga dar-lhe no papel o esplendor e a verdade
de uma revelação que surpreenda os meus próprios sentidos.
Miguel Torga
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