Santo António do Zaire, 23 de Maio de
1973 – A obstinação de visitar o sítio que o meu comprovinciano Diogo Cão pisou pela
primeira vez ia-me custando a vida. A raiva do Zaire parecia querer vingar-se em
mim da violação de quinhentos. Depois de deambular pelas suas muílas – uma
extensa Veneza selvagem de
grandes canais sonolentos a reflectir uma anfíbia arquitectura vegetal –, entrei
confiado naquela torrencial magnitude. E foi a profanação. O vento soprou, as
ondas ergueram-se, a alma fluvial bramiu, e daí a nada a casca de noz em que eu
navegava, a dançar na crista da fúria, transformou-se na morada do próprio
terror. Milhas e milhas assim, em que o precário motor do caíque era o único
deus a que a fé se apegava. Mas, felizmente, tudo acabou em bem, apenas no
desconforto de uma molha da cabeça aos pés e na emoção gatafunhada de um poema.
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