segunda-feira, 27 de maio de 2013

Sá da Bandeira, 27 de Maio de 1973

       Depois do aéreo deslumbramento do maciço da Chela e do abissal fascínio da Tundavala, a rasa emoção do cemitério da missão católica da Huíla. Aqui jaz… Aqui jaz… Aqui jaz… E são nomes de todas as nacionalidades, portugueses, belgas, franceses, alemães, inscritos lado a lado em humildes lousas iguais, seguidos de uma inscrição trágica: falecido com 24 anos, com 45, com 51, com 32 … Nomes de homens que vinham ao encontro da morte certa e prematura por conta de Deus e do semelhante. Por conta da fé, da esperança e da caridade. Há outras epopeias a admirar também no planalto. A dos colonos madeirenses, por exemplo, que desembarcaram nas areias de Moçâmedes, subiram a serra em carros de bois, desbravaram, semearam e sucumbiram, e de que restam apenas os descendentes pobres, os chicoronhos, resíduos humanos sem ombros sequer para suportar o mito dos pais. Mas o que se faz impelido pelas necessidades do corpo há-de ficar sempre aquém do que se faz obrigado pelas exigências da alma. Muito embora a transcendência se possa atingir de várias maneiras, a dádiva abnegada da vida é de longe a mais absoluta. Quase apostava que aquele campo santo será no futuro da pátria angolana um panteão nacional. Ou a ressurreição de Cristo e a fraternidade humana deixarão de ter sentido nestas paragens.
Miguel Torga

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