De Coimbra aqui
a cruzar-me com vagas sucessivas de peregrinos de Fátima. Estropiados,
descalços, de pernas entrapadas, lá seguiam tenaz e penosamente, a estoirar o
coração e as varizes, num desafio mudo a quantos, de dentro dos automóveis, os
olhavam num misto de espanto e de incomodidade. E nessa ostensiva exaustão,
nessa obstinada maceração física, pareceu-me ver mais do que um cego tropismo
devoto. Havia certamente em tão absurda caminhada uma inconsciente necessidade
de dizer não aos respeitos humanos da hora presente, a tiranias doutrinárias
que, a pretexto de uma suposta libertação das consciências, substituem opressões
manifestas por opressões dissimuladas. Reacção irreflectida mas determinada
contra este desconcerto nacional a que chegámos, contra esta loucura colectiva.
O delírio subversivo foi longe demais. O dilaceramento da pátria ultrapassou
aquele limite de perdição para além do qual só resta o abismo. De todos os
lados o clamor é o mesmo: morra Sansão e
quantos aqui estão. A tendência suicida, que dantes era de poucos, agora parece
generalizada. E o povo, com o instinto de conservação intacto, protesta. Ludibriado
mais uma vez na sua boa fé por demagogos de todos os quadrantes, reage como
pode, numa réplica desentendida, aos cânones do novo compromisso social. E
talvez seja lícito ler no seu gesto reactivo uma mensagem positiva de salvação.
Virando assim costas desassombradamente aos valores falsificados que lhe quis
inculcar uma revolução de mentira, acaba por restaurar em nós a esperança numa
revolução de verdade.
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