terça-feira, 7 de maio de 2013

Porto, 7 de Maio de 1977

De Coimbra aqui a cruzar-me com vagas sucessivas de peregrinos de Fátima. Estropiados, descalços, de pernas entrapadas, lá seguiam tenaz e penosamente, a estoirar o coração e as varizes, num desafio mudo a quantos, de dentro dos automóveis, os olhavam num misto de espanto e de incomodidade. E nessa ostensiva exaustão, nessa obstinada maceração física, pareceu-me ver mais do que um cego tropismo devoto. Havia certamente em tão absurda caminhada uma inconsciente necessidade de dizer não aos respeitos humanos da hora presente, a tiranias doutrinárias que, a pretexto de uma suposta libertação das consciências, substituem opressões manifestas por opressões dissimuladas. Reacção irreflectida mas determinada contra este desconcerto nacional a que chegámos, contra esta loucura colectiva. O delírio subversivo foi longe demais. O dilaceramento da pátria ultrapassou aquele limite de perdição para além do qual só resta o abismo. De todos os lados o clamor é o mesmo: morra Sansão e quantos aqui estão. A tendência suicida, que dantes era de poucos, agora parece generalizada. E o povo, com o instinto de conservação intacto, protesta. Ludibriado mais uma vez na sua boa fé por demagogos de todos os quadrantes, reage como pode, numa réplica desentendida, aos cânones do novo compromisso social. E talvez seja lícito ler no seu gesto reactivo uma mensagem positiva de salvação. Virando assim costas desassombradamente aos valores falsificados que lhe quis inculcar uma revolução de mentira, acaba por restaurar em nós a esperança numa revolução de verdade.

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