quarta-feira, 15 de maio de 2013

Coimbra, 15 de Maio de 1977

Está visto: vou acabar mesmo assim, desesperado. Sempre cuidei que um dia toda esta angústia tivesse um lenitivo qualquer, mas enganei-me. Pelo contrário. À medida que o tempo passa, mais agónicas são as horas. A saúde piora, a pátria desintegra-se, a solidão aumenta. O que, de resto, era de esperar. Um corpo doente desde criança, dava poucas garantias de uma velhice escorreita; uma pátria repartida pelo mundo, meio século a caminhar obstinadamente ao arrepio da clarividência, estava necessariamente condenada à desagregação; quanto ao isolamento, não há afecto que se compadeça de uma timidez existencial cada vez mais arisca. O poeta é um trambolho social. Nem Platão o queria na República dele. Um livro de versos fecha-se quando nos enfastia ou atormenta. Mas o sujeito que o escreveu? A pessoa concreta, singular, insólita, estranha mesmo quando o não quer ser, irredutível a um denominador comum? Que fazer dela? Ignorá-la, é impossível; suprimi-la, também. O certo é que tudo se conjugou para que eu chegasse ao fim da existência nesta desolação humana. E o mais trágico é que fui sempre uma criatura de esperança. Confiei na natureza, confiei na sociedade, confiei nos amigos. Vivi a vida inteira à espera de milagres que nunca aconteceram. E vejo agora, numa lucidez cruciante, que já não podem acontecer.

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