Acabei de escrever uma longa
carta, iniciada ontem, à Silvina
Rodrigues Lopes, que é uma jovem professora universitária de subtil
inteligência, e que escreveu dois breves romances e dois ensaios, um sobre a Agustina
e outro sobre a Gabriela
– este particularmente agudo e esclarecedor. Dela e da autora estudada. A carta
punha-me várias questões muito subtis. E eu, para as discutir, acabei por me
meter num longo monólogo, que passava um pouco ao lado do seu questionar.
Estranhei em mim esta larga tagarelice a que já me desabituara como de um vício
impertinente. E o resultado foi inutilidade e fadiga. E repetição do já dito,
porque estagnei no que tenho pensado sem conseguir mudar de conversa. Porque
diabo teimo em repetir-me, se nada adianto ao que já reflecti? No fundo é o desejo
de recomeçar, de discutir ainda comigo o que não há modos de dar por acabado.
No fundo é o desejo de me recuperar no tempo que passou. As minhas cartas são
sempre um duplicado do que disse nos livros e passam sempre um pouco ao lado
dos problemas que me põem por me ser difícil interromper o monólogo que venho
arrastando comigo. Vou ver se acabo definitivamente com a epistolografia ou
retomá-la apenas no que ela foi no início da sua história, ou seja à pura
transmissão de «notídas». Pronto.
O Lúcio telefonou há pouco porque
hoje faz 27 anos e vai disparar para a paródia. Lá o beijocámos de parabéns, a
Regina e eu. E recomendei-lhe que não visse os anos ao espelho para os não
transpor aos 72. Riu-se e desligámos.
*
Não penses. Que raio de mania essa
de estares sempre a querer pensar. Pensar é trocar uma flor por um silogismo, um vivo por um morto. Pensar
é não ver. Olha apenas, vê. Está um dia enorme de sol. Talvez que de noite,
acabou-se, como diz o filósofo da ave de Minerva. Mas não agora. Há alegria
bastante para se não pensar, que é coisa sempre triste. Olha, escuta. Nas
passagens de nível, havia um aviso de «pare, escute, olhe» com vistas ao
atropelo dos comboios. É o aviso que devia haver nestes dias magníficos de sol.
Olha a luz. Escuta a alegria dos pássaros. Não penses, que é sacrilégio.
*
Qual o seu livro preferido? Às
vezes perguntam-me. E eu hesito sempre em responder. Porque são diferentes os
motivos do gostar e só se o motivo fosse o mesmo eu poderia saber onde melhor
se realiza. O conceito de «aparição» é para mim muito importante porque não tem
que ver só com a relação do «eu» consigo mas com a revelação de transcendência
de qualquer real. Assim o livro com esse título se me privilegia sob este
aspecto que como descoberta (nascida de uma experiência própria) e nestes
limites, se não é o que mais amo, é talvez o que mais aprecio. De um ponto de
vista pessoal, do que me comove à memória da juventude e é dela o sinal de
convergência que muito me emociona ainda, o livro que mais prezo é o Para
Sempre pela fascinação que me vem desse tempo e de Sandra nele. Mas por
acaso retomei há pouco Alegria Breve. E
senti na sua escrita, numa certa sugestão de qualquer coisa de grande na aldeia
deserta, nos motivos da reflexão e diálogo, na construção das suas massas,
certos episódios – e voltei a sentir-me inclinado a julga-lo o meu livro maior.
Qual o livro que prefiro? Depende. Em todo o caso, se retomo o Para Sempre, tenho de ir ter com Sandra
para nela me comprazer. Mas Alegria Breve
posso abri-lo em qualquer ponto, que sempre me releio em plenitude. De todo o
modo, porém, para a generalidade do público é um livro esquecido. Virá a ser
recuperado, agora que o seu tema é do presente e portanto mais visível? Vem aí
o Em Nome da Terra
e talvez se goste dele. Mas por quanto tempo? Há que fazer um dia, se se fizer,
uma filtragem de tudo o que escrevi. Mas já cá não estarei para saber o que se
concluir. Entretanto, a única obra que me atiram à cara constantemente como o
mais legível é a Conta-Corrente. Eu
próprio, quando a retomo, sou logo apanhado pelo impulso à leitura. Mas que é
que isso quer dizer? O mais saboroso numa refeição é normalmente a sobremesa –
que tem sempre um lugar no estômago, mesmo depois de repleto. Vamos concluir
que é o melhor dela? da refeição? Aliás, para quem fuma, o melhor de tudo é o
cigarro. Vamos concluir que a excelência da refeição é o seu fumo?
E ia eu a dizer que já agora vou
fumar um. Mas do tabaco forte de enrolar que agora uso ou do destrambelho dos
meus nervos, o que fumei há pouco pôs-me tonto como uma bebedeira. Não fumo.
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