domingo, 26 de maio de 2013

Moçâmedes, 26 de Maio de 1973

      O deserto ainda, mas agora palmilhado, rodado, sobrevoado. Areia, areia, areia, e milagres geométricos do vento, milagres pictóricos da luz, milagres musicais do silêncio. Um mundo seco, estéril, asséptico, esquecido dos homens que o semeavam, das raízes que o sugavam, da água que o refrescava. Um mundo onde nenhum poema de esperança teria sentido e nenhum poema de desesperança pode ser ouvido. A majestade da velha deusa Terra numa altivez olímpica, sem um resquício de amor maternal a traí-la numa lágrima, num sorriso, num gesto. A indiferença surda e muda, apenas ondulada aqui e além numa espécie de feminilidade perversa.
Miguel Torga

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