S. Martinho de Anta, 21 de Maio de 1977
– Um filme que, por obra e graça, fiz passar de inventário biográfico a
documentário cenográfico. Depois de muito batalhar, lá consegui que a
objectiva, que porfiava em ter-me ao seu alcance, mudasse de direcção. E foram
montes, abismos, horizontes, mamoas, alinhamentos, altares pagãos, inscrições,
cavadores e sementeiras que ela acabou por registar na película, sem que ninguém
suspeitasse de que aquelas imagens é que eram a minha verdadeira imagem. Cingidos
a uma aparência que parece bastar-se, poucos dos muitos que julgam conhecer-me
são capazes de compreender que só através da perene evidência destas realidades
primordiais e ancestrais, com que, desde o nascimento, vivo identificado, o meu
rosto tem expressiva configuração. Que é numa vessada que eu mourejo, numa
encomendação das almas que canto, e nos socalcos de cada encosta que ganham
sentido as rugas que me pautam a testa.
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