Escrevo diante da mesma paisagem feia para que abri os olhos de manhãzinha e
que parece abafar como eu. Paisagem seca, pulverulenta, ardida, de vegetação
precária e rasteira, que algumas cabras famélicas depenam e algumas presenças
arbóreas tentam em vão erguer: embondeiros disformes, edemaciados, monstruosos;
mangueiras sombrias, espessas, maciças; mamoeiros esgrouviados, sintéticos, de
testículos ao pescoço. Numa aplicação esforçada, tento compreender este chão em
si mesmo, especificamente, mas os sentidos refilam, inseguros fora dos seus
padrões habituais – transmontanos, alentejanos ou beirões. E, por mais que não
queira, sinto-me nele intruso, rejeitado, excluído, com a impressão incómoda de
que, se morresse aqui, seria mais facilmente comido por dois abutres que me
espreitam da ponta de um galho seco do que pela terra da sepultura.
Em mangas de
camisa, fui há pouco visitar a cidade. E o largo passeio pela urbe apressada,
enfática, leviana, apertada num cinturão de muceques, agoirento anel de
Saturno, não me desanuviou a alma. Pelo contrário. Quando regressei a casa,
trazia duas metrópoles nos olhos doridos: uma, arrogante, retórica, de papelão,
a negar o preto; outra, calada, tentacular, eczematosa, a negar o branco. Uma que
parece um delírio febril de sitiados; outra um acampamento sorna de sitiantes.
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