terça-feira, 21 de maio de 2013

Cela, 21 de Maio de 1973

Cela, 21 de Maio de 1973 – Mais trezentos quilómetros de desilusão paisagística e humana. O embondeiro é, na verdade, o aborto da flora, a vergonha do reino vegetal. Com semelhante trambolho atravancado nos olhos não há beleza panorâmica possível. Só quem o tiver totemicamente tatuado na alma, mesmo como maldição, o pode amar. E o pior é que, quando ele falta, o quadro angolano fica vazio. Olho à roda. E a grandeza natural que me envolve – espraiada, preguiçosa, com um monte aquém e outro além a bocejar sem pedir licença – parece saudosa daquela elefantíase arbórea.
Quanto à desilusão humana, o embondeiro que a motiva é outro. Tem pernas e braços, naturalmente. Não há dúvida: o português foi incapaz de repetir nestas paragens africanas o milagre brasileiro. Lá, enraizou-se; aqui, não. Certamente porque lá o senhor e o escravo eram ambos emigrados e colonizadores. Estrangeiros os dois, tinham a mesma necessidade de sobrevivência e de entendimento. Apenas conjugados podiam triunfar. E reconstruíram juntos na terra alheia, com o mesmo suor, numa simbiose original, as pátrias nativas, até no paladar. Aqui, o branco foi e continua a ser intruso. Não houve comunhão de corpos e almas. Visito uma roça modelar. E desanimo. Um abismo intransponível, espacial e temporal, separa a casa grande da sanzala. O indígena não faz parte da família. Ficou longe dos afectos, dos sentimentos, da fraternidade e, até, da sensualidade. Do amor, numa palavra. Isolado na sua aldeia, segregado, é uma máquina útil que no fim do trabalho recolhe à arrecadação.

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