Cela, 21 de Maio de 1973
– Mais trezentos quilómetros de desilusão paisagística e humana. O embondeiro
é, na verdade, o aborto da flora, a vergonha do reino vegetal. Com semelhante
trambolho atravancado nos olhos não há beleza panorâmica possível. Só quem o
tiver totemicamente tatuado na alma, mesmo como maldição, o pode amar. E o pior
é que, quando ele falta, o quadro angolano fica vazio. Olho à roda. E a
grandeza natural que me envolve – espraiada, preguiçosa, com um monte aquém e
outro além a bocejar sem pedir licença – parece saudosa daquela elefantíase
arbórea.
Quanto à
desilusão humana, o embondeiro que a motiva é outro. Tem pernas e braços,
naturalmente. Não há dúvida: o português foi incapaz de repetir nestas paragens
africanas o milagre brasileiro. Lá, enraizou-se; aqui, não. Certamente porque
lá o senhor e o escravo eram ambos emigrados e colonizadores. Estrangeiros os
dois, tinham a mesma necessidade de sobrevivência e de entendimento. Apenas conjugados
podiam triunfar. E reconstruíram juntos na terra alheia, com o mesmo suor, numa
simbiose original, as pátrias nativas, até no paladar. Aqui, o branco foi e
continua a ser intruso. Não houve comunhão de corpos e almas. Visito uma roça
modelar. E desanimo. Um abismo intransponível, espacial e temporal, separa a
casa grande da sanzala. O indígena não faz parte da família. Ficou longe dos
afectos, dos sentimentos, da fraternidade e, até, da sensualidade. Do amor,
numa palavra. Isolado na sua aldeia, segregado, é uma máquina útil que no fim
do trabalho recolhe à arrecadação.
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