quinta-feira, 30 de maio de 2013

Nova Lisboa, 30 de Maio de 1973

O pé escreve as unidades; o automóvel adita as parcelas; o avião mostra a soma. Das três maneiras me tenho servido para levar desta terra uma imagem condigna. Da terra, repito. A dos homens não requereu tanto esforço. Igual por toda a parte, ao primeiro relance fica entendida. Dois lados de uma medalha: no verso, a fisionomia ávida e leviana do branco, que não conseguiu traduzir cinco séculos de presença numa missão histórica; no reverso, a do negro, humilhado na sua inocência tribal ou degradado na sua destribalização. Os musseques de Luanda são os bairros de lata de Lisboa. Em ambos se processa a mesma dissolução humana.
Teimo, pois, na prospecção da natureza, o único mistério que resta em Angola. Mas com pouco sucesso, reconheço, mesmo depois de acordar na memória adormecida a experiência brasileira. As terras de Santa Cruz, por onde andei na meninice, não pareciam estar sempre a arder. Havia fontes, rios e ribeiros por toda a parte, e viam-se impressões digitais a cada passo. E eu sou um homem de impressões digitais, das mãos e dos pés. O sulco do arado é tão impressivo para mim como o traço da caneta. Leio tanto numa lavrada alentejana como num livro. E que posso eu ler nestas extensões incultas, selvagens, ainda na pureza original dos primeiros dias da criação? Apenas as potencialidades genesíacas de uma grande terra de promissão. A antecipação imaginada de um país imenso segregado pelos seus naturais, campos arados, aldeias, vilas e cidades com nomes de génese natural, emergentes da realidade, e não de tabuleta, colados a ela, como os de agora. Nova Lisboa, porquê? Carmona, a que propósito? Sim, um próspero país futuro, construído com amor e suor do Zaire ao Cunene, cada habitante a semear e a colher os frutos agridoces da vida por conta própria e não por conta alheia. Um país a caminhar unitariamente, e não uma colónia salteadamente a tropeçar.

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