O
Quinto Dia da Criação do Mundo a secar nas montras. Nesta pátria é
assim: a apetência de leitura depende dos condimentos policiais. Se o livro
tivesse aparecido quinze dias antes, talvez que muitos se felicitassem, não de
o ler, mas de o ter nas mãos. Mas saiu uma semana depois do vinte e cinco de
Abril, já quando ninguém precisava de exibir credenciais de rebeldia. Todos se
justificam nos vivas, no cravo vermelho espetado na lapela, na ida aos
comícios, cada um na primeira fila excedendo-se diante dos outros, a alardear
os pergaminhos apócrifos da sua nova fé. Não é cómodo cultivar as letras em
nenhuma parte do mundo. Mas, entre nós, só por penitência. Nunca um escritor
aqui teve direito à dignidade. À dignidade de assumir um unânime destino
colectivo ou um solitário destino pessoal, sem que sirva de bandeira para uns e
de espantalho para outros.
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