sábado, 4 de maio de 2013

Coimbra, 4 de Maio de 1974

O Quinto Dia da Criação do Mundo a secar nas montras. Nesta pátria é assim: a apetência de leitura depende dos condimentos policiais. Se o livro tivesse aparecido quinze dias antes, talvez que muitos se felicitassem, não de o ler, mas de o ter nas mãos. Mas saiu uma semana depois do vinte e cinco de Abril, já quando ninguém precisava de exibir credenciais de rebeldia. Todos se justificam nos vivas, no cravo vermelho espetado na lapela, na ida aos comícios, cada um na primeira fila excedendo-se diante dos outros, a alardear os pergaminhos apócrifos da sua nova fé. Não é cómodo cultivar as letras em nenhuma parte do mundo. Mas, entre nós, só por penitência. Nunca um escritor aqui teve direito à dignidade. À dignidade de assumir um unânime destino colectivo ou um solitário destino pessoal, sem que sirva de bandeira para uns e de espantalho para outros.

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