sábado, 25 de maio de 2013

25 – Maio (sexta). [1990] - Vergílio Ferreira

Recebi hoje os dois primeiros exemplares do meu romance. Um é para levar amanhã a uns amigos que nos vão alimentar ao almoço. E o outro é para mim. E para primeira surpresa das que lá procurava, encontrei uma gralha que eu próprio cometi ao copiar o original. É na página 274. Onde está «a lei passava por mim» deveria estar «a lei pensava por mim». Isto é óbvio no contexto. Pois não senhor. Passei por lá não sei quantas vezes e só vi o invisível. Bom. E o resto? Que estranha a sensação de ler um nosso livro impresso. Não, não tem nada que ver com a questão do estar em público e esperar-se que arraste na esteira os seus admiradores como uma actriz. Não é um fenómeno externo, é um problema de essência. Subitamente o livro autonomiza-se pela investidura tipográfica e foi de lá para cá. O que está bem ou mal perturba-me, mas como alguém que eu ensaiei para o palco e em que não posso ter mão. Um livro impresso é tocado de uma qualidade sagrada pela sua ascensão a ser vivo. E tanto ele me escapa e amedronta com a sua autonomia, que o folheei brevemente e o arrumei na estante como quem fecha um tigre na jaula. Requiescat. (Só eu próprio não descanso e ando inquieto na pressa e pressão de arrancar com o meu ensaio. E todavia aflige-me uma certa preguiça interior, que me solicita a comodidade de ideias já tidas e de escrita já calhada numa certa rede de multiplicação celular. Ou uma certa nota de ser na selva do dicionário. Ou uma certa maneira de ser na maneira certa e não valer pois a pena de tentar a possível errada.) 

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