Visita a um sábio missionário estrangeiro que há
décadas aqui se radicou e dá largas ao espírito a esta luz africana. Enquanto
discorria sobre a matéria em que é mestre, exibia livros e recensões, ia-o
observando. Espécie de Bernard
Show da etnografia, nas barbas e no sarcasmo, cheio de si, consciente do
que vale, havia nas suas palavras não sei que distância e que desdém. E doeu-me
aquela arrogância, que a nossa pobreza cultural legitimava. A contas há tantos
anos com tantas raças do planeta, e não conhecemos delas o mais essencial. Os
seus enigmas e mistérios pouco ou nada nos preocupam. O esforço inicial de
alguns pioneiros não foi continuado. Não temos uma ciência islâmica, judaica ou
negra nas escolas, centros de estudo onde se apure um futuro ecuménico. São os
franceses, os ingleses e os alemães que sabem de Maomé, de sionismo, de
negritude. E vim para casa humilhado escrever esta página como quem, depois de
apanhar uma merecida bofetada numa das faces, por sua própria mão esbofeteasse
a outra.
Miguel Torga
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