quarta-feira, 29 de maio de 2013

Sá da Bandeira, 29 de Maio de 1973

       Visita a um sábio missionário estrangeiro que há décadas aqui se radicou e dá largas ao espírito a esta luz africana. Enquanto discorria sobre a matéria em que é mestre, exibia livros e recensões, ia-o observando. Espécie de Bernard Show da etnografia, nas barbas e no sarcasmo, cheio de si, consciente do que vale, havia nas suas palavras não sei que distância e que desdém. E doeu-me aquela arrogância, que a nossa pobreza cultural legitimava. A contas há tantos anos com tantas raças do planeta, e não conhecemos delas o mais essencial. Os seus enigmas e mistérios pouco ou nada nos preocupam. O esforço inicial de alguns pioneiros não foi continuado. Não temos uma ciência islâmica, judaica ou negra nas escolas, centros de estudo onde se apure um futuro ecuménico. São os franceses, os ingleses e os alemães que sabem de Maomé, de sionismo, de negritude. E vim para casa humilhado escrever esta página como quem, depois de apanhar uma merecida bofetada numa das faces, por sua própria mão esbofeteasse a outra.
Miguel Torga

Sem comentários:

Enviar um comentário