sexta-feira, 14 de junho de 2013

Coimbra, 14 de Junho de 1976

Coimbra, 14 de Junho de 1976 – Estruturalismo. Que força, a de um texto! Uma vez chefiado à existência impressa, nenhum deixa de ser tal como é, para toda a eternidade. Há um poder de coesão, uma recíproca necessidade interna, que transmuta duas palavras articuladas numa realidade inviolável. Alquimia de tal modo misteriosa e provocante, que, maio primeiro homem organizou um discurso, logo a pertinácia de outros homens se aplicou em destruí-lo. Pois que é senão vontade de destruição essa gana sistemática de análise, que disseca uma página tão encarniçadamente que a deixa seca, mumificada? Metodologicamente alheios à paixão da leitura, isentam-se de pôr nela a mais leve sombra de equívoca simpatia. Não toleram a hipótese de se deixar embalar, de se render ao encanto, e defendem-se deliberadamente com um acervo mecânico e árido de subtilezas. É como se quisessem desmentir o escândalo da levitação pelo simples enunciado da lei da gravidade. Mas o verbo incarnado resiste a tudo. Outrora, à caturrice dos gramáticos; agora, à filáucia dos cientistas. Escrever é um acto ontológico.
Miguel Torga

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