Londres, 8 de junho de 1977 – É,
realmente, uma penitência andar pelo mundo a cabo com Portugal às costas. Não
com o Portugal que poderia e deveria ser, mas com o Portugal que é, por nossos
pecados. Um Portugal com oito séculos de existência e que ainda não encontrou a
sua identidade nacional, que tem homens exemplares mas que não servem de
exemplo, que ergue monumentos solitários sem eco arquitectónico nas cercanias,
que faz revoluções que são sempre frustrações, que alimenta em cada filho a
íntima sensação de uma orfandade social. Despeço-me das nuvens e desço nesta
terra britânica. E que impressão imediata de solidez colectiva, de coerência
histórica! Tudo certo, tudo harmonioso. O rio corre disciplinado, a liberdade
auto-limita-se, as instituições funcionam. Para cada actividade há uma
dignidade. Os gestos mais opostos correspondem-se. Pessoas e coisas espelham-se
umas nas outras. Lado a lado e no mesmo estilo austero, o parlamento é uma
catedral de vivos e a catedral um parlamento de mortos. Ali estão irmanados,
numa glória que parece respirar, os que cantaram, os que pensaram, os que administraram
e os que combateram. Os que engrandeceram de qualquer maneira a pátria. A
pátria que é memória e acção. Que é uma comunhão quotidiana de presenças e
ausências, sacramento que nunca figurou no nosso catecismo cívico.
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