Gorongosa, 3 de Junho de
1973. – E fez Deus as bestas feras da
terra… – No Brasil, os versículos do Génesis a descrever o esforço do Criador para arrancar a vida
do caos, que já então sabia de cor e me vinham à lembrança, tinham apenas
explicitação vegetal. A fauna desaparecia diante do esplendor arbóreo. Aqui, a
clorofila deu lugar à proteína. E é um louvar a Deus. Bichos de todas as formas
e feitios lado a lado, o hipopótamo enterrado nos charcos, o abutre empoleirado
nos galhos, o crocodilo a flutuar nas lagoas, o búfalo a pastar nas clareiras,
o elefante abrigado nas ramas, a serpente enroscada nas sombras. Asas a voar,
cascos a trotar, ventres a rastejar. E tudo numa abundância primordial, aos
bandos, às manadas, aos enxames. Ilhas de carne, florestas de chifres, nuvens
de penas. E, a autenticar a obra, a vetusta assinatura do autor, figurada na
juba de um leão deitado ao lado da companheira, a olhar com majestática sobranceria
o pobre rei da criação que eu era, a exibir um ceptro de cinco balas nas mãos
aterradas.
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