sábado, 8 de junho de 2013

Lourenço Marques, 8 de Junho de 1973

Lourenço Marques, 8 de Junho de 1973 – Penoso diálogo com um cabecilha nacionalista. Inteligente, frio e peremptório, cada palavra que lhe saía da boca parecia uma punhalada. E não tive remédio senão ir aguentando aquele racismo negro que, ao contrário do branco que por aqui campeia, podia ao menos privilegiar-se de uma certa justificação. Tudo, na óptica dele, estava errado na África portuguesa. Cidades de gente cercadas de guetos de bichos, uma ordem jurídica absurda implantada absurdamente numa sociedade primitiva, técnicas avançadíssimas nas mãos de operários trogloditas, um capitalismo desenfreado a sugar uma economia arcaica. Portanto, rua. Rua, quanto antes, e adeus para a eternidade… Neste ponto, refilei. Nem tanto ao mar… Reforçou o anátema: para a eternidade. Não tínhamos mais nada a dizer uns aos outros.
E lembrei-me então de um episódio antigo que me sucedeu num congresso de escritores, em S. Paulo. Um camarada brasileiro apostrofava a colonização portuguesa, que desejaria mil vezes trocada pela holandesa. E, quando a assistência esperava de mim um protesto indignado, apenas comentei, prazenteiro: – Estava aqui a pensar no que seria o meu desespero se me visse na triste situação de ouvir coisas assim em flamengo… Mas, felizmente, oiço-as em português…
Ora, também com o meu actual interlocutor acontecia o mesmo. O homem falava a minha língua. E despedi-me afavelmente, de sorriso nos lábios. Era um sorriso de esperança, mas não lho disse…

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