Lourenço Marques, 8 de
Junho de 1973 – Penoso diálogo com um cabecilha nacionalista. Inteligente,
frio e peremptório, cada palavra que lhe saía da boca parecia uma punhalada. E
não tive remédio senão ir aguentando aquele racismo negro que, ao contrário do
branco que por aqui campeia, podia ao menos privilegiar-se de uma certa
justificação. Tudo, na óptica dele, estava errado na África portuguesa.
Cidades de gente cercadas de guetos de bichos, uma ordem jurídica absurda
implantada absurdamente numa sociedade primitiva, técnicas avançadíssimas nas
mãos de operários trogloditas, um capitalismo desenfreado a sugar uma economia
arcaica. Portanto, rua. Rua, quanto antes, e adeus para a eternidade… Neste
ponto, refilei. Nem tanto ao mar… Reforçou o anátema: para a eternidade. Não
tínhamos mais nada a dizer uns aos outros.
E lembrei-me
então de um episódio antigo que me sucedeu num congresso de escritores, em S. Paulo. Um
camarada brasileiro apostrofava a colonização portuguesa, que desejaria mil
vezes trocada pela holandesa. E, quando a assistência esperava de mim um
protesto indignado, apenas comentei, prazenteiro: – Estava aqui a pensar no que
seria o meu desespero se me visse na triste situação de ouvir coisas assim em
flamengo… Mas, felizmente, oiço-as em português…
Ora, também com
o meu actual interlocutor acontecia o mesmo. O homem falava a minha língua. E
despedi-me afavelmente, de sorriso nos lábios. Era um sorriso de esperança, mas
não lho disse…
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