Coimbra, 20 de Junho de 1975 – Estranha
revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. A
mais imunda vasa humana a vir à tona, as invejas mais sórdidas vingadas, o
lugar imerecido e cobiçado tomado de assalto, a retórica balofa a fazer de
inteligência. Mas teimo em crer que apesar de tudo valeu a pena assistir ao
descalabro. Pelo menos não morro iludido, como os que partiram nas vésperas do
terramoto. Cuidavam que combatiam pelo futuro e, na verdade, assim acontecia,
mas apenas na medida em que o sonhavam como se ele tivesse de ser coerente com
a dignidade do seu passado de lutadores. O trágico é que um futuro sonhado não passa
de uma ficção. O tempo é o lugar do inédito. O futuro autêntico é sempre
misterioso e autónomo das premissas de que partiu. Quando chega, traz os seus
valores, as suas leis, a sua gente, nem boa, nem má. Traz os títeres que lhe
convêm. Ou pior: os títeres a quem a hora convém.
Miguel Torga
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