quinta-feira, 20 de junho de 2013

Coimbra, 20 de Junho de 1975

Coimbra, 20 de Junho de 1975 – Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. A mais imunda vasa humana a vir à tona, as invejas mais sórdidas vingadas, o lugar imerecido e cobiçado tomado de assalto, a retórica balofa a fazer de inteligência. Mas teimo em crer que apesar de tudo valeu a pena assistir ao descalabro. Pelo menos não morro iludido, como os que partiram nas vésperas do terramoto. Cuidavam que combatiam pelo futuro e, na verdade, assim acontecia, mas apenas na medida em que o sonhavam como se ele tivesse de ser coerente com a dignidade do seu passado de lutadores. O trágico é que um futuro sonhado não passa de uma ficção. O tempo é o lugar do inédito. O futuro autêntico é sempre misterioso e autónomo das premissas de que partiu. Quando chega, traz os seus valores, as suas leis, a sua gente, nem boa, nem má. Traz os títeres que lhe convêm. Ou pior: os títeres a quem a hora convém.

Miguel Torga

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