segunda-feira, 10 de junho de 2013

10 – Junho (domingo). [1990]

Que dia triste hoje se pôs. Quando me levantei previ chuva no empastado e rebaixado das nuvens. Mas as nuvens altearam e adelgaçaram de modo que uma claridade a querer abrir as atravessa. Tudo isto deve ter que ver com ser dia de Camões e da pátria expatriada. Cego já de um olho, o outro deve funcionar mal com o crepúsculo das nossas glórias que ele via já pouco bem no tempo em que as cantou. Que é que vai querer dizer o quem somos quando o rasoiro europeu nos nivelar? Mas a morte pode chorar-se – não discutir-se. Abeiramo-nos de uma nova época histórica e nela decerto a grande quantidade do que acumulámos já não funciona. Vale a pena lacrimejar? Em todo o caso o céu parece inclinado a essa opinião. Céu baço em dia de haver pátria e uma grande lira a cantá-la. Também o céu assim não está mentalizado para um novo arranque histórico e nova pedalada.
Mas são horas de irmos almoçar e ficam as lágrimas para outra ocasião.
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A propósito de lágrimas – a Regina acabou a leitura do Em Nome da Terra e disse-me que o livro despertou-lhe foi riso. Ou seja, o humor com que o polvilhei para temperar a tragédia não era afinal «negro» mas colorido. E aqui estou eu agora sem saber se afinal tenho a vista normal ou se sou daltónico.
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Porque me diminui dia a dia o interesse pela escrita e pela leitura? Há o que se pretende ou pode escrever, como há o que num livro espera pela nossa leitura. Mas há atrás disso o que em nós é aquilo que há-de ser em escrita e em leitura. Ou seja a parte que nos cabe no existir escrita e leitura. Um livro faz-se não apenas com aquilo com que se faz e é o que nele fica escrito, como se lê com aquilo com que se lê e que não é apenas o que há nele para ler. Escrita e leitura fazem-se com o impulso para o serem, ou seja com o que leva a ser criatividade no que se escreve e no que se lê. E é o que me vai faltando cada vez mais. Um livro a fazer ou feito pode estar bem. Mas necessita, para que exista para nós, da necessidade de que exista e que se determina pela força criativa para o criar (que não tem que ver com a matéria para a criação e capacidade de que se realize) e para o recriar (que é o que vai de nós para a obra, a fim de ela não ser a matéria morta que lá está). Estou cansado é isso. Esgota-se-me a possibilidade de a literatura ter razão. Para a ter apenas a minha fadiga, desinteresse e abandono à passiva nulidade. E é só.

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