domingo, 2 de junho de 2013

Coimbra, 2 de Junho de 1977

Coimbra, 2 de Junho de 1977 – Passou o medo. O medo que nestes últimos tempos foi a própria substância da pátria rendida. Mas somos tão medíocres, que, sem ele, ficamos mais pobres. Era para nós o sucedâneo da inteligência. Quanto revolucionário por conta do seu aguilhão! Incapazes de uma atitude fria, académica, diante das ideias, quanto mais as tememos, mais as aplaudimos, na manhosa convicção de que nos será fácil iludir qualquer rebate de consciência com o exorcismo de um fervor bem desempenhado. E de facto. Uma vez submetidos ao império da ideologia triunfante, é ver até onde pode ir o nosso proselitismo! Mas o perigo passa, o pânico desaparece, e eis-nos descomprometidos e abúlicos. Movia-nos apenas uma motivação exterior; e, como ela cessou, tudo nos é indiferente. O fanatismo dá lugar ao cepticismo, a opulência verbal à indigência mental. Temos a impostura tão entranhada na alma, que só a mentir parecemos homens verdadeiros. 
Miguel Torga

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