Luanda, 11 de Junho de
1973 – Despedida de Luanda, primeiro a visitar as igrejas da Senhora da
Nazaré e de Jesus, bem bonitas por sinal, erguidas no tempo em que tínhamos fé
e fazíamos coisas bonitas; depois, a pasmar do desenfado das avenidas e a
espreitar a suspicácia dos musseques; por fim, a ver um pôr do sol feérico do
alto da fortaleza. Ao lusco-fusco regressei melancolicamente a casa, situada
perto do campo entrincheirado da aviação militar. Guaritas, fortins, arame
farpado. E as imagens edificantes, empolgantes ou inquietantes, recolhidas ao
largo do meu passeio, fundem-se insensivelmente na grande imagem castrense que
tenho agora diante dos olhos. Um preto que ao lado guarda uma casa em
construção – para um branco, claro – assobia. E o som, que deve ser melódico,
rasga-me o ouvido. Tenho a impressão de que estou a ser vaiado.
– Sente-se mal?
– pergunta alguém, ao ver-me inquieto.
– É do ar
bélico que se respira, pouco salubre…
– Tem de ser…
Foi horrível, acredite!
E não me
contenho. Despejo finalmente o saco:
– Acredito. Mas
fico na minha. Numa moral primitiva, o vencedor destrói o vencido. Decapita-o,
esquarteja-o, devora-o. É bárbaro, é intolerável, mas é a sua lógica guerreira.
Sabe-se lá que remotas implicações rituais, ou mesmo religiosas, estão por
detrás desses excessos! O que em termos de cultura ocidental é uma aberração
que brada aos céus, para ele pode ser uma afirmação étnica e ética. Nós é que,
com o tempo e o vagar dos séculos, não lhe soubemos comunicar outros valores
que na guerra fossem tão invioláveis como na paz. Na sua exemplaridade trágica,
os massacres foram o sinal eloquente da nossa falência civilizadora.
Miguel Torga
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