Beira, 2 de Junho de 1973 – Pareço um profeta sem barbas, a vaticinar
desgraças nas cartas que escrevo, nas notas que rascunho, nas conversas que vou
tendo. Mas que hei-de eu fazer, se desde que pus o pé em África vivo em pânico,
sinto a terra fugir-me debaixo dos pés? Em Angola, há dias, numa fazenda, eu a
cuidar que pousava numa casa de paz, e tinha por cima da sala, onde estava a
ser obsequiado, um falso de cimento transformado em paiol bélico, com
metralhadora e tudo. Aqui, os meus interlocutores, igualmente gentis, sentados
às mesas recheadas de marisco, rebatem as minhas apreensões com carabinas e
balas.
E perco a
esperança. Não vinha fia ilusão de encontrar generalizado nestas paragens um
espírito de missão. Mas também não contava que ele estivesse tão ausente das
consciências, que a angústia que me oprime fosse mais pelo que falta do que
pelo que existe. Mais pelo que falta de um generoso projecto colectivo do que
pelo que existe ao abrigo de um jogo de egoísmos mesquinhos mal articulados. Os
massacres que desencadearam esta guerra, em vez de terem sido ocasião de
auto-crítica, transformaram-se para a maioria dos colonos em motivo suplementar
de repressão. É na precária barcaça de um oportunismo grosseiro que todos
navegam. E não há porto de salvamento para aqueles que asfixiam na boa
consciência do presente os remorsos do futuro.
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