quinta-feira, 13 de junho de 2013

13 – Junho (quarta). [1990]

13 – Junho (quarta). Fui a Lisboa tirar os alinhavos da gengiva costurada no vazio do dente que andou, e regressámos logo a Fontanelas. Era para regressarmos ainda ontem mas o Gilo quis-nos lá a jantar e ficámos. A soldagem da clavícula que se lhe partiu no desastre não resultou, a liga metálica quebrou-se e teve de se submeter a mais uma intervenção. Regina bramiu contra a inoperância e mesmo incompetência dos médicos de que ele estava a ponto de sofrer os efeitos graves, mas o Gilo, por defesa da classe, lá desculpou a maladresse de quem o tinha operado. O resultado foi não poder conduzir um mês e em casa andar de braço ao peito. Todo o problema portanto voltou à estaca zero.
Entretanto, no domínio político houve o caso interessante do encerramento do jornal comuna O Diário e o subsequente despedimento de dezenas de trabalhadores «sem justa causa». Que vai fazer agora o amigo Cunhal? Logicamente deveria incitar os pobres dos trabalhadores a vociferarem o seu protesto contra a entidade patronal, ou seja contra ele próprio. É a táctica usual em casos semelhantes, não se percebe que o bom costume revolucionário não seja cumprido. Coitado do Cunhal e de toda a cunhalada à sua roda. E coitados afinal de todos nós nesta confusão infernal sem deuses nem diabos para um equilíbrio ecológico. Eu fico varado de estupefacção ao ver que pouca gente se dá conta da convulsão mundial. O descalabro comunista foi o remate visível de uma revolução incomensurável em todos os domínios de se ser humano no Mundo. Sinto isso profundamente em todos os modos de me pensar e sentir. E de tal modo que me sinto ridículo ao pôr sequer a hipótese de vir a pensar romance na hipótese retroactiva de ter tempo, ou seja vida para fazê-lo. Como é que se sentem os meus confrades mais jovens, cheios ainda de disponibilidade no organismo? Que é que eles poderão pensar ao pensarem escrever? Pois escrever o quê? A que propósito? Com que intenções pias de progressismo? Com que desplante num mundo em decomposição? Com que lata de não parecerem parvos? Ou serei eu apenas tarado? O que não se entende na pretensa confusão ou o que não é apenas confusão mas claro como uma régua? Será uma sandice o meu Em Nome da Terra que fala de desagregação e de morte e de detritos humanos e culturais? Vou interrogar-me a sério para ser menos sandeu. Vou pôr a hipótese de ser eu o parvo para que a Humanidade em maioria seja sensata e harmoniosa. Vou, vou.
Enquanto olho o sol da tarde que me ilumina o escritório com a mesma inocência e verdade prática com que iluminou a terra dos dinossauros e ilumina as bolas de pedra cheias de buracos, que são os outros planetas.

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