13 – Junho (quarta). Fui a Lisboa tirar
os alinhavos da gengiva costurada no vazio do dente que andou, e regressámos logo
a Fontanelas. Era para regressarmos ainda ontem mas o Gilo quis-nos lá a jantar
e ficámos. A soldagem da clavícula que se lhe partiu no desastre não resultou,
a liga metálica quebrou-se e teve de se submeter a mais uma intervenção. Regina
bramiu contra a inoperância e mesmo incompetência dos médicos de que ele estava
a ponto de sofrer os efeitos graves, mas o Gilo, por defesa da classe, lá
desculpou a maladresse de quem o
tinha operado. O resultado foi não poder conduzir um mês e em casa andar de
braço ao peito. Todo o problema portanto voltou à estaca zero.
Entretanto, no
domínio político houve o caso interessante do encerramento do jornal comuna O Diário e o subsequente despedimento de
dezenas de trabalhadores «sem justa causa». Que vai fazer agora o amigo Cunhal?
Logicamente deveria incitar os pobres dos trabalhadores a vociferarem o seu
protesto contra a entidade patronal, ou seja contra ele próprio. É a táctica
usual em casos semelhantes, não se percebe que o bom costume revolucionário não
seja cumprido. Coitado do Cunhal e de toda a cunhalada à sua roda. E coitados
afinal de todos nós nesta confusão infernal sem deuses nem diabos para um
equilíbrio ecológico. Eu fico varado de estupefacção ao ver que pouca gente se
dá conta da convulsão mundial. O descalabro comunista foi o remate visível de
uma revolução incomensurável em todos os domínios de se ser humano no Mundo.
Sinto isso profundamente em todos os modos de me pensar e sentir. E de tal modo
que me sinto ridículo ao pôr sequer a hipótese de vir a pensar romance na
hipótese retroactiva de ter tempo, ou seja vida para fazê-lo. Como é que se
sentem os meus confrades mais jovens, cheios ainda de disponibilidade no organismo?
Que é que eles poderão pensar ao pensarem escrever? Pois escrever o quê? A que
propósito? Com que intenções pias de progressismo? Com que desplante num mundo
em decomposição? Com que lata de não parecerem parvos? Ou serei eu apenas
tarado? O que não se entende na pretensa confusão ou o que não é apenas
confusão mas claro como uma régua? Será uma sandice o meu Em
Nome da Terra que fala de desagregação e de morte e de detritos humanos
e culturais? Vou interrogar-me a sério para ser menos sandeu. Vou pôr a
hipótese de ser eu o parvo para que a Humanidade em maioria seja sensata e
harmoniosa. Vou, vou.
Enquanto olho o
sol da tarde que me ilumina o escritório com a mesma inocência e verdade
prática com que iluminou a terra dos dinossauros e ilumina as bolas de pedra
cheias de buracos, que são os outros planetas.
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