• FANTASIA. E nisto, numa
vasta clareira aberta na procissão, entre alas de povo, surgiu el-rei, de manto
de veludo carmesim pelos ombros, ornado a arminhos, debaixo do pálio sustido
por invisíveis personagens, andando com solene e majestoso vagar, e levando,
sobre uma almofada de seda bordada e com borlas de oiro, a sua própria cabeça –
acabada de decepar como a de São João Baptista.
• De onde nos virá esta
propensão a amar os estranhos, quando – irmãos! – nos amamos tão pouco, ou nos
odiamos entranhadamente uns aos outros?!
• «Estes que hoje me falam
com tamanho fervor e convicção do Futuro, como eu gostaria de viver quarenta ou
cinquenta anos mais, só para os ouvir lembrar com nostalgia o hoje que então
será Passado!»
• Deixar lá falar ou escrever
os tolos que nada ainda criaram de durável que valha a pena, comem ou vivem à
custa do que os outros criam, e ainda por cima levam o tempo a elogiar-se ou a
agatanhar-se mutuamente, com a raiva dos impotentes!
• Não há problemas morais ou,
mais propriamente, de consciência, na nossa tão pobre literatura de ficção.
Camilo? Dinis? O Eça, todo ele cinismo? Brandão, nostalgia e visão
funambulesca? Castro? Aquilino, grande na fase rústica e realista? Onde? Talvez
em algum recanto de Herculano?... E sabes tu porquê? Porque nunca houve entre
nós os problemas de consciência que o protestantismo e, em especial, o
puritanismo, com a meditação da Bíblia e o individualismo, criaram na mente dos
seus adeptos. Dos Russos, gente de extremos no pecado e no arrependimento, nem
falar. Os Franceses tiveram, além do jansenismo (e Pascal!), um Montaigne e,
além de outros modernos, um Gide. Até na mais desbocada erótica norte-americana
abundam os problemas de ordem ética. Basta lembrar um Tennessee Williams, génio
e pecado em alta escala! Nós nunca fomos religiosos na acepção moral e
psicológica do termo: fomos formais, obedientes. Da nossa carência de
verdadeira Fé, mesmo no catolicismo levado ao fanatismo, resultou a nossa total
aversão à análise e aos embates de consciência nas personagens de romance. Se
alguma coisa tens lido, ou vieres a ler, medita nisto.
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