Eleições sérias, finalmente. E foi nestes cinquenta anos de exílio na pátria
a maior consolação cívica que tive. Era comovedor ver a convicção, a
compostura, o aprumo, a dignidade assumida pela multidão de eleitores a
caminhar para as urnas, cada qual compenetrado de ser portador de uma riqueza
preciosa e vulnerável: o seu voto, a sua opinião, a sua determinação. Parecia
um povo transfigurado, ao mesmo tempo consciente da transcendência do acto que
ia praticar e ciente da ambiguidade circunstancial que o permitia. O que faz o
aceno da liberdade, e como é angustioso o risco de a perder! Assim os nossos
corifeus saibam tirar do facto as devidas conclusões. Mas duvido. Nunca aqui os
dirigentes respeitaram a vontade popular, mesmo quando aparentam promovê-la. No
fundo, não querem governar uma sociedade de homens livres, mas uma sociedade de
cúmplices que não desminta a degradação deles.
Miguel Torga
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