Hoje o Gilo faz 48 anos. Quase cinquentenário – digo-lhe –,
já um período para haver História. E para comemorarmos o feliz evento, vamos
inaugurar o almoço de Verão na Feira Popular. E enquanto esperamos pela hora,
ouço em «disco compacto», que ele me ofereceu, trechos de Bach (Fantasia, Fuga, Corais). É uma música de
órgão e assim mesmo logo ritual ou sagrada. Pergunto-me porque tanto me
emociona e não sei bem. Música de largos espaços mas que não tem nada que ver
com o carácter espacial da de um Wagner ou da Sinfonia do Novo Mundo de
Dvorak.
Porque o espaço destes é da superfície da Terra e o de Bach do Universo, de um
espaço vazio e cósmico, do interior do que existe, do seu Ser. Música do
infinito e do sem-tempo, de um mundo desabitado, confrontado com a divindade,
como se antes mesmo da sua criação. O que em mim nela escuta é a pureza do meu
silêncio interior, a suspensão do que em mim respira e sente, de uma graça que
sobre mim descesse e me despegasse de tudo o que há de terreno, a eternidade do
meu corpo, transfundido de tudo o que nele é perecível e prometido à morte.
Porque é no meu corpo que a escuto, no transcendente da sua miséria e
degradação. Música de Bach. Música das constelações, de astros mortos perdidos
no impensável do infinito. Alegria calma de existir. Sagração de mim.
Tudo tem um outro de si, que é o inominável e irredutível.
Porque darmos um nome é trazê-lo à nossa posse, dominá-lo, criá-lo na ordem das
coisas. Mas se o nomeamos e o materializamos em coisa, ele exige um outro além
de si, ou seja do que já era um outro do outro. E isto indefinidamente, porque
o limite de tudo é o seu mistério, o incognoscível da noite contra a qual a luz
pode existir. E é porque o mistério é intangível, que só a arte o pode revelar.
Ou seja a única face visível da sua invisibilidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário