Às vezes apetece desabafar, não ao ralo de um diário, mas publicamente, alto
e bom som. Atirar aos quatro ventos meia dúzia de verdades de que ninguém
suspeita, e são cilícios cravados no coração. Mas o pudor, em certos casos,
pode mais que o desespero. E calo-me. Além de nada me garantir que o feitiço se
não voltasse contra o feiticeiro. Não há que fiar nesse pacto formal de conivências
que dá pelo nome de senso comum. Só pelo facto de o ser, o poeta é um escândalo
universal. Tudo o que ele parece é o que ele não é. Simplesmente e
coerentemente, os juízos que o condenam baseiam-se nessa aparência. E não há
volta a dar-lhe. Em todas as circunstâncias a culpa é toda sua. A culpa,
precisamente, de ser poeta.
Miguel Torga
Sem comentários:
Enviar um comentário