terça-feira, 23 de abril de 2013

Coimbra, 23 de Abril de 1975

       Às vezes apetece desabafar, não ao ralo de um diário, mas publicamente, alto e bom som. Atirar aos quatro ventos meia dúzia de verdades de que ninguém suspeita, e são cilícios cravados no coração. Mas o pudor, em certos casos, pode mais que o desespero. E calo-me. Além de nada me garantir que o feitiço se não voltasse contra o feiticeiro. Não há que fiar nesse pacto formal de conivências que dá pelo nome de senso comum. Só pelo facto de o ser, o poeta é um escândalo universal. Tudo o que ele parece é o que ele não é. Simplesmente e coerentemente, os juízos que o condenam baseiam-se nessa aparência. E não há volta a dar-lhe. Em todas as circunstâncias a culpa é toda sua. A culpa, precisamente, de ser poeta.

Miguel Torga

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