Regressamos hoje a Lisboa, voltaremos talvez no meio da
semana à Natureza, que é onde se tem uma evidência maior de que se faz parte
dela. Porque é mais aceitável que se pareça com um pinheiro do que com o
cimento armado. E regressados que fomos, ao remexer em velhos papéis, repassei
em diagonal ao que há anos escrevi para um ensaio género «Invocação» e que se
chamaria «Um Dia de Verão» porque era disso que se tratava – do percurso de um
dia de Verão com anotações imediatas de diário e entremeado a elas uma certa
porção de reflexões desgarradas. Mas sobretudo entre elas me desejaria alongar
sobre o problema da «verdade». Porque sempre para mim esse problema assenta no
mistério da nossa adesão ou recusa. A essa aceitação dei sempre o nome de
«aparição», ou seja a revelação do que se nos abre até mesmo no já conhecido,
no sabido quotidianamente, no que nos é banal. Tenho relido Heidegger e reparei
que essa «aparição» se revela mesmo no que sabíamos de um filósofo, no que
sobre ele escrevemos, ainda que correctamente, mas sem vermos a verdade que lhe
subjaz. Disso falei há dias, suponho a propósito do seu conceito (?) de Ser.
Mas o culpado disso foi ele próprio ao dar-lhe um nome. O Ser é o sem-fim em que se perdem as raízes do saber ou da
verdade. Mas se há um nome para isso é justamente o de «mistério». Há o
sem-fundo de nós e das coisas e é aí que mergulham e se dissipam no seu
indizível as nossas razões seja sobre o que for. A «aparição» para mim é um fenómeno
de fundo incognoscível. Que é que se altera em mim quando tenho a evidência da morte e se perde quando
simplesmente a sei? Para muitos casos
(amor, política, etc.) eu posso aduzir a infinita coordenação de tudo o que me
aconteceu desde que nasci e se me gerou o que chamo o meu «equilíbrio interno»
de que tenho falado. Mas a «aparição» tem que ver com um certo estado de
espírito em que o já sabido se revela a uma evidência nova, para possivelmente
se voltar a esquecer, recaindo-se na cegueira anterior. Há assim uma verdade
anterior à verdade e essa é que resplandece e não deslumbra no seu fulgor. O Ser
heideggeriano será talvez o insondável donde emerge o que nos força à adesão, o
que no seu indizível é o subsolo incognoscível donde brota o que à superfície é
a «verdade».
Mas tudo isto suponho vir a propósito de se me esboçar o
projecto de um regresso ao ensaio «Um Dia de Verão» (de que publiquei um trecho
no livro de homenagem ao Jacinto do Prado
Coelho). Acaso, porém, será suportável uma obra totalizada? Não me é mais
justificável – e fácil – ficar-me pelos fragmentos do que em projecto de livro
chamo Pensar? Mesmo uns apontamentos
diarísticos desta Conta-Corrente que
recomecei a escrever à revelia do que prometi? Aliás a grande Parca deve estar a olhar-me com
piedade pela minha farófia de me permitir «ter projectos». O meu projecto
sensato é estar quieto e calado. E é o que vou já fazer. Por hoje…
VF
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