quinta-feira, 18 de abril de 2013

18 – Abril (quarta). [1990]

       Quando fui professor em Évora tive obviamente alguns alunos muito inteligentes. E um deles aparece-me aqui de vez em quando perto de casa com a mioleira em liquidação. Mas tem levado a liquidar. Aguentava-se mesmo num certo equilíbrio muito próximo de ser equilibrado. Mas pouco a pouco a sua loucura mansa foi cumprindo a obrigação. E quando mal me precato, salta-me à frente sempre a rir e a dizer coisas tolinhas. Hoje tive de ir deixar provas na livraria Bertrand da avenida de Roma, e entrei na Barata para cumprir o dever. E eis senão quando o moço me ataca de frente. Queria oferecer-me ou que eu comprasse O Nome da Rosa em versão alemã. Já tinha, disse-lhe eu. E em português. Você sabe alemão? Então estudei dois anos, não havia de saber? E provou-mo logo, traduzindo os dizeres da contracapa. E eu senti-me vexado porque também estudei alemão dois anos, fui óptimo aluno, mas perdi tudo. Como eu não quis o livro, foi-me buscar uma edição do Entendimento de Locke numa tradução francesa contemporânea do filósofo. Também já tinha, disse-lhe eu, em mexicano. E em face disso, foi procurar outro livro e eu aproveitei para me escapar. Em vão. Veio apanhar-me já longe, e meteu-me na mão «uma lembrança». Era uma moeda de 25 tostões. E fugiu. Não quero isto, berrei-lhe. Ele olhou-me atrás com a sua barba por fazer e em grande riso. Fiquei encravado. Deitar fora a moeda? Meti-a no bolso para a dar a um pedinte. Não houve pedinte no trajecto. Continua no bolso. Preciso de achar um pedinte amanhã para me desfazer eu da esmola do tolinho.
VF 

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