Quando fui professor em Évora tive obviamente alguns
alunos muito inteligentes. E um deles aparece-me aqui de vez em quando perto de
casa com a mioleira em liquidação. Mas tem levado a liquidar. Aguentava-se
mesmo num certo equilíbrio muito próximo de ser equilibrado. Mas pouco a pouco
a sua loucura mansa foi cumprindo a obrigação. E quando mal me precato,
salta-me à frente sempre a rir e a dizer coisas tolinhas. Hoje tive de ir
deixar provas na livraria Bertrand da
avenida de Roma, e entrei na
Barata para cumprir o dever. E eis senão quando o moço me ataca de frente.
Queria oferecer-me ou que eu comprasse O Nome da Rosa em
versão alemã. Já tinha, disse-lhe eu. E em português. Você sabe alemão? Então
estudei dois anos, não havia de saber? E provou-mo logo, traduzindo os dizeres
da contracapa. E eu senti-me vexado porque também estudei alemão dois anos, fui
óptimo aluno, mas perdi tudo. Como eu não quis o livro, foi-me buscar uma
edição do Entendimento
de Locke numa tradução
francesa contemporânea do filósofo. Também já tinha, disse-lhe eu, em mexicano.
E em face disso, foi procurar outro livro e eu aproveitei para me escapar. Em
vão. Veio apanhar-me já longe, e meteu-me na mão «uma lembrança». Era uma moeda
de 25 tostões. E fugiu. Não quero isto, berrei-lhe. Ele olhou-me atrás com a
sua barba por fazer e em grande riso. Fiquei encravado. Deitar fora a moeda?
Meti-a no bolso para a dar a um pedinte. Não houve pedinte no trajecto.
Continua no bolso. Preciso de achar um pedinte amanhã para me desfazer eu da
esmola do tolinho.
VF
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