terça-feira, 16 de abril de 2013

16 de Abril [1966]

O bom do Zé Marinho (que tanto estimo) surgiu-me de súbito no autocarro. Ou melhor: chocámo-nos, visto as nossas concepções das coisas e dos homens divergirem totalmente.
Suponho que ele nunca me leu. Nem passou um pente miúdo pelos meus versos e escritos. Mas por comodidade agrupa-me – e eu deixo-me agrupar – na falange parda dos esquerdistas ortodoxos, tal qual os reaccionários os vêem. Papel que eu aliás aceito com gritos e entusiasmo de defender posições extremas em que não acredito (mas é tão bom ser leal com os camaradas heroicos e medíocres!).
Principiámos por falar do tempo (frio, calor, etc). Depois, escorregámos para as idades. Quantos anos? (O Zé Marinho é mais novo do que eu.) Ah! a vida é curta! (Ignoro como apareceu este lugar-comum na superfície das palavras.) A vida é curta.
Chegou então a vez de eu repetir o que tão profundamente sinto há muito:
Não, não… A vida de cada um de nós é longa… Muito longa… Compridíssima… Uma eternidade até o fundo de muitos avatares…
Claro, o Zé Marinho aproveitou logo a «deixa»:
Não lhe faltará essa medida nos versos? – perguntou-me com candidez cínica.
Acudiram-me em tropel várias respostas simultâneas:
Talvez – pensei. – Nunca me leu!... – Não se trata de tempo filosófico, psicológico, mas físico (disparate?)… Essa verdade do tempo é tão sentida por mim que julgo difícil não se reflectir nos meus versos…
Mas respondi outra coisa qualquer...
E o Zé Marinho lá se foi, contente, aos saltinhos, velhinha…
E eu continuei o meu caminho, a ruminar:
A poesia é este criar realidade, para o homem sobrenadar no silêncio das palavras…
JGF

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