Um dia de Páscoa passado no comboio, a ver deslizar, na fascinação e na
melancolia de sempre, o microcosmo português. Morro com duas convicções
arreigadas: a de que não há terra mais bela do que a lusitana e outra tão
infeliz. Cheia de graças naturais, ao nível da compreensão nunca teve da
maioria dos filhos o desvelo devido. O camponês dignifica-a como pode,
instintivamente, de enxada e charrua na mão. Mas, acima dele, muito poucos
souberam merecê-la. Há sempre em todas as nossas manifestações para além da
cava e da redra qualquer coisa de falhado, de falso, de traído. As pontes não
estão no sítio, as leis são inadequadas, as fábricas insólitas. E, à luz deste
Domingo de ressurreição, cada monte, cada planície, cada cidade e cada aldeia
parecem reclamar uma aleluia nacional que desgraçadamente não se vislumbra em
nenhum horizonte, por muito que os vários messias do momento a garantam do alto
das tribunas demagógicas. Pelo contrário: quanto mais pregam, mais a pedra do
sepulcro pesa. A pedra do sepulcro da alma desta pátria que, paradoxalmente,
sucumbiu num corpo que continua a pulsar exuberante de vida.
Miguel Torga
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