terça-feira, 2 de abril de 2013

2 de Abril [1966]

Transcrevo do Vértice, de Agosto de 1956, estes trechos de Imitação dos Dias que não inseri na compilação definitiva do meu Diário Inventado:
«Em cada milhão de portugueses existem apenas 50 indivíduos que lêem poesia ou julgam, pelo menos, que merece a pena simular esse interesse, por afirmação de personalidade. Fado a que só logra talvez eximir-se o Grande Camões – e mesmo esse graças à sua ínclita condição de zarolho.
Quanto aos mais, incluindo o Afonso Duarte (maior poeta do que ele próprio supõe ou alguns contemporâneos receiam por despeito), apenas lhes resta o recurso de se curvarem diante dos tais 50 por milhão, realidade aristocrática que tanto dói e ofende (até os aristocratas), mais por se tratar duma aristocracia do avesso, de número, do que por obstinação de obediência a qualquer ideário democrático. E no entanto (classificada, embora em meu entender, por equivoco de qualitativo) é esta geralmente a solução adoptada com enlevo pelos escritores nas entrevistas solenes fornecidas aos jornais.
O divino qualitativo! Que sempre me cheirou a consolação bera, e ainda por cima falsa, pois na prática se resume ao reconhecimento da existência duma minoria linfática, de poucos mas maus, sem a virtude sequer de fabricar ecos como a turba.
No fundo, creio-o bem, todos os artistas prefeririam, a esse escol caricatural, o quantitativo, o reles quantitativo tão desdenhado dos estetas, mesmo em plena pureza sórdida dum estádio de futebol, ululante e fantástico – com um Poeta, ao centro, a revelar em voz alta tudo o que a maioria dos homens normais esconde por vergonha e covardia, e outros em vão buscam em si mesmos, no oco dos corações musgosos…»
JGF

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