Transcrevo do
Vértice, de
Agosto de 1956, estes trechos de Imitação
dos Dias que não inseri na compilação definitiva do meu Diário Inventado:
«Em cada
milhão de portugueses existem apenas 50 indivíduos que lêem poesia ou julgam,
pelo menos, que merece a pena simular esse interesse, por afirmação de
personalidade. Fado a que só logra talvez eximir-se o Grande Camões – e mesmo
esse graças à sua ínclita condição de zarolho.
Quanto aos
mais, incluindo o Afonso
Duarte (maior poeta do que ele próprio supõe ou alguns contemporâneos
receiam por despeito), apenas lhes resta o recurso de se curvarem diante dos
tais 50 por milhão, realidade aristocrática que tanto dói e ofende (até os
aristocratas), mais por se tratar duma aristocracia do avesso, de número, do
que por obstinação de obediência a qualquer ideário democrático. E no entanto
(classificada, embora em meu entender, por equivoco de qualitativo) é esta geralmente a solução adoptada com enlevo
pelos escritores nas entrevistas solenes fornecidas aos jornais.
O divino
qualitativo! Que sempre me cheirou a consolação bera, e ainda por cima falsa,
pois na prática se resume ao reconhecimento da existência duma minoria
linfática, de poucos mas maus, sem a virtude sequer de fabricar ecos como a
turba.
No fundo,
creio-o bem, todos os artistas prefeririam, a esse escol caricatural, o quantitativo, o reles quantitativo tão desdenhado dos estetas,
mesmo em plena pureza sórdida dum estádio de futebol, ululante e fantástico –
com um Poeta, ao centro, a revelar em voz alta tudo o que a maioria dos homens
normais esconde por vergonha e covardia, e outros em vão buscam em si mesmos,
no oco dos corações musgosos…»
JGF
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