Jesus Cristo Super Star. Que
perverso aproveitamento se faz hoje do inconsciente cristão, que, quer
queiramos quer não, é uma herança de todos nós! Ao sair do espectáculo, até o
mais ateu alardeava o ar iluminado e desobrigado de quem acabava de cumprir
honestamente um preceito. Preceito tão público como o da missa, acobertado,
porém, da crítica do livre pensamento por nobres razões estéticas. Necessitada
de sagrado, mas envergonhada dessa fraqueza, a multidão corria ao cinema e saía
dele aliviada e divertida como quem sai de um casino. Viesse um apóstolo pregar
na praça a boa nova, e toda aquela gente passaria ao lado, embaraçada com o
escândalo da verdade em carne viva. Felizmente que o escudo da arte tornava
permissível o acto cultual… E esgotavam-se as bilheteiras.
O pior é que o
sagrado não pode ter suportes profanos. Perde neles a força e a grandeza. Sem
nada de aleatório, de uma rigorosa coerência interna, só no seu dogmático
monolitismo dá sentido aos gestos certos e à vida certa – o indivíduo certo no
homem, o homem certo na família, a família certa na sociedade, a sociedade
certa nos dias, nos meses, nos anos, nas estações, e as estações certas no ritmo
cósmico.
Seres de
religião levianamente desviados dessas apetências anímicas, satisfazemo-nos
mediocremente com os seus simulacros. E eis-nos a macaquear o que já não
sabemos honrar. A trocar os símbolos por emblemas, as orações por imprecações,
as liturgias por formalidades ou informalidades. A esquecer que, sem disciplina
ortodoxa, o religioso pode ser tudo, desde um filme comercial até um comício
para destruir a própria religião.
Miguel Torga
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