Hoje esteve aqui o Luís
Mourão. E como sempre que estou com alguém, faço o anteprojecto de falar pouco.
Há uma razão para isso que devia ser decisiva e é que me fatigo. Mas iniciada a
conversa, tomo logo conta dela e desato a falatar. O Luís Mourão é um jovem de
30 anos, mas com um ar pacífico de 60. Mas não é isso desculpa, porque a
desculpa é outra que não sei. Devia saber a culpa para saber a desculpa. Não a
sei. Fazer «figura»? Não sou tão modesto como isso para invocar a «figura» como
razão. Os tagarelas imaginamos que o são para se porem em evidência e aí a
figura faz figura. Mas é possível que também não seja isso. Digamos que se fala
para se ter que dizer, ou seja criar o
motivo do falar. Porque tal como na escrita, a própria palavra é que engendra o
que há a dizer para no fim ter havido o que se disser. O povo diz que «as
palavras são como as cerejas», que engatadas umas nas outras formam uma
corrente. Mas isso é dizer que é a própria palavra que se gera na palavra, ou
seja que o que se diz é na palavra que existe. E eis pois que o falar cria o
que se não sabia que se iria dizer, ou seja que não existia antes disso. É uma
explicação nobre e só por isso talvez me convenha adoptá-la. De todo o modo foi
esse o processo que atribuímos a Deus para criar o Mundo. E um deus inventa-se
à nossa imagem e semelhança. Mas fico-me por aqui antes que o meu raciocínio se
destrua a si próprio. Como acontece, aliás, a todo o raciocínio que vai além do
que deve. Cala a boca – diz a mãe ao filho que fala demais. Trava a lógica –
devemos nós dizer-nos segundo a mesma regra de educação. E vou continuar a
reler o Heidegger de que só agora estou a aprender não o corpo da doutrina, que
já conhecia razoavelmente, mas a alma desse corpo, que ainda não sabia bem,
como é normal acontecer com o que é invisível.
*
Perguntam-me frequentemente
– Como vai de saúde?
Respondo frequentemente
– Navegando à bolina.
A Propósito. Ouvi de não sei quem que este tipo de navegação
é de invenção portuguesa. Como estava surdo, não sei se ouvi bem. Mas devo ter
ouvido porque navegar à bolina é uma espécie de «desenrascanço». E é essa a
natural condição do português. Logo, a minha – pois que remédio.
*
Telefonou-me o Onésimo.
E quando isso acontece, costumo perguntar: donde fala? E ele diz-me falo de Providence ou falo de
Lisboa. E nesta diferença de distância organizo o meu sentir no falar-lhe.
Porque se é da América,
há o Atlântico de permeio na minha conversa como se em mim se erguesse uma voz
mais alta para o atravessar. Se é de Lisboa há apenas a distância de um
telefone. E isto porque ainda não ajeitei a sensibilidade à ideia de que hoje o
planeta é já uma aldeia.
VF
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