quinta-feira, 11 de abril de 2013

11 – Abril (quarta). [1990]

       Viemos para Fontanelas sofrer a semana da Paixão. Mas o tempo já sabe que a aleluia vem logo depois e abriu o sol que lá tinha para então e estreou-o já sem paciência para esperar. Paciência tenho eu de ter para desbastar as provas da 3.ª edição do Espaço do Invisível-I, já revistas pelo Luís Amaro. Como é incomodativo reler o que escrevi há 30 anos. As ideias aceito-as, mas não o modo como as escrevo e valorizo. Porque são ideias «cerebrais» e eu já não sou «cerebral». Houve mesmo um certo recuo em relação ao último ensaio Do Mundo Original e que dá o título ao livro. São ensaios «didácticos» quase sempre, explicativos, enredados, escritos com o sangue de um batráquio que se calhar nem é sangue. Uma «ideia» tem de travar-se antes de chegar ao cérebro, ou seja antes de ser «ideia». Eu estou farto da literatura e sinto-me inclinado a remergulhar na filosofia. Mas de uma para a outra interessa-me que passe a emoção que é da arte, sem a secura anatómica mais própria da filosofia. Estou a reler Heidegger como julgo já ter dito, e suponho ter-lhe enfim reconhecido a «alma», depois de lhe saber apenas o «corpo». Cansado da literatura, trespassado um pouco da incerta certeza de que já (agora) não vem a tempo no nosso tempo. A filosofia. A actividade cultural talvez, apesar de tudo, menos contaminada de consumismo, de um modo de estar na cultura quase como numa telenovela brasileira. É uma forma de estar na serenidade da velhice como é próprio de se ser velho. E é tudo.
VF 

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