sexta-feira, 26 de abril de 2013

26 – Abril (quinta). [1990]

       E inútil disfarçar. É mesmo um pouco hipócrita. Porque é acabrunhante levar uma vida inteira a realizar uma obra e ficar de cara alegre quando lhe dizem, expressa ou omissamente, que é uma coisa menor. Sobretudo é difícil apanhar com isso pela cara e não entender porquê. Ou não conseguir entender porque é que nesse porquê há uma razão a funcionar. Ou porque é que se não consegue ver, no que os parceiros realizaram, a razão invertida da nossa sem-razão. Que coisa estranha o nosso equilíbrio interior, que é onde essas coisas se esclarecem. Porque ele altera-se com o tempo e sobretudo é praticamente opaco ao que não entra na sua óptica. Podem dizer-nos que tal ou tal valor é de entrar nela. Nós aceitamos, na superfície desse equilíbrio, que seja assim. Mas não no seu interior. Porque aí não temos possibilidade de interferir. Somos assim e só o tempo é possível fazer que sejamos assado. No desencontro portanto entre o que valorizo e desvalorizam os outros, só o tempo um dia – e decerto provisoriamente – poderá dizer quem tinha razão. Mas se a razão está do meu lado, é o equilíbrio interior dos outros que terá de modificar-se. E se está do seu lado, a minha condenação não terá apelo. É isto assim um problema sem solução. Nada pois a fazer. Ou há só que esperar as contas definitivas a saldar no infinito quando decerto todos teremos razão, que é quando as não teremos nenhum.
*
       Troveja forte e feio. E chove em tromba de água. E a Regina saiu mais a sua constipação a fazer compras.
VF

Sem comentários:

Enviar um comentário