quinta-feira, 11 de abril de 2013

Coimbra, 11 de Abril de 1977

        Quatro dias de férias que me pareceram fora da realidade nacional, de tão longe que fiquei desta alucinação crispada que continua a ser o nosso quotidiano citadino. Bendita paz transmontana onde as pessoas se mantêm no seu juízo perfeito. Mas regressei, e aqui estou de novo mergulhado na leitura de entrevistas, crónicas, discursos e o mais de que se nutre o sadismo das gazetas. O país alfabeto ainda não deu conta que delira. Que uma febre surda o faz desvairar conforme o capricho da hora. Generalizou-se de tal maneira a tolice, que até dos mais sisudos e sensatos tememos um súbito destempero. Nunca, através da História, as circunstâncias tinham propiciado uma tão extensa e intensa manifestação das nossas qualidades negativas. Os defeitos vinham à tona, mas salteadamente, agora uns, logo outros, e neste e naquele. Desta feita, porém, foi uma explosão maciça que não poupou ninguém. Contagiados do mesmo mal – o da irreflexão e do descomando –, estamos todos convulsivamente a tremer não sei que maleita social e a dizer coisas sem tino. 
Miguel Torga

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