9 – Março (quinta). Puxei hoje pelo romance durante mais de duas horas. Fiquei aturdido da minha cabeça. Tudo tão difícil agora. Mas precisava tanto de escrever este livro. Curiosamente parti para ele com uma intenção diferente. Mas pouco a pouco uma certa zona começou a impor-se e suponho que será um romance sobre o corpo. Não sei como anexar-lhe o motivo que lhe destinava. Creio que ficará secundarizado. De todo o modo, tem de ter razão de ser com o resto. Mas creio que o «corpo» vem a ser o motivo central. Fascina-me a ideia pela decadência dele na velhice, o estropiamento da doença e a sua centralidade no que somos como «espírito» — e a oposição frontal entre um e outro. Fascina-me ainda o que há de sagrado nele contra a sua corrupção. A epígrafe que hoje lhe pus — hoc est corpus meum — deve ficar para me dar o entrecruzado da sacralidade e do que nele há de degradação. Há muitos anos que o «corpo» me é obsessão. Mas nunca o centralizei num romance — embora surja aqui e além como em Cântico Final que justamente teve o título provisório de «Corpo de Alegria». E há naturalmente o ensaio Invocação.
conta-corrente - nova série I (1989)
Sem comentários:
Enviar um comentário