sexta-feira, 30 de novembro de 2012

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Tablóides…

«Quem escreve é a minha mão!», brada o filósofo. «Sim, basta lê-lo para se ver que não é com o cérebro que você escreve!» 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Tablóides…

No consultório, o médico para o doente:
– Com aquilo que tem sofrido, para ainda estar vivo, você deve ter uma constituição de ferro!
– Tenho sim, senhor doutor. É pena não a ter também em São Bento

terça-feira, 27 de novembro de 2012

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Tablóides…

Lendo algures uma inteligente selecção de frases extraídas da obra de Eça de Queirós, compreendi de repente até que ponto este incontestável génio contribuiu para o empulhamento do nosso carácter. A sua linguagem tinha por vezes subtilezas que se podem dizer afadistadas-pulhas. Era decerto assim que ele visionava a nação que lhe foi berço. Lembre-se, não mais, a cena da Ilustre Casa em que o protagonista, ao passear no seu jardim, ouve o seguinte diálogo entre a virtuosa mana e o cacique local que trabalha para o eleger deputado: (Ele) «Sim, sim, meu amor!» (Ela) «Não, não, que loucura!» Não se poderia achar expressão mais pandilha, como símbolo ou epítome de uma cultura. Tanto mais que o «ilustre» Ramires, em vez de entrar no caramanchão e partir a cara ao bandalho, continuou o seu passeio, embora arreliado. E era deste cavalheiro que o Eça esperava fazer um civilizador em Angola! (Junho 77)
     P.S.: Não me arrependo nada de ter sido o primeiro escritor da minha geração a comentar azedamente a grande personalidade literária! (em O Diabo, 1940) 

domingo, 25 de novembro de 2012

Tablóides…

Tendo voltado de três semanas de férias em Lisboa, e sentindo-se indisposto, este sujeito foi queixar-se ao médico: «Eu comi tanto e tão bem, senhor doutor, que devo estar a sofrer dum excesso de col’ESTORIL!» 

sábado, 24 de novembro de 2012

Tablóides…

• Este meu silêncio, creia, é feito de gritos abafados!
• Tudo está muito bem (segundo uns) ou muito mal (na opinião de outros): mas o que não me sai da mente é o verso do Pessoa: «Falta cumprir-se Portugal!» 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Tablóides…

Vista de certo ângulo, ou pelo prisma de certos sábios nossos, a Cultura faz-me pensar numa sege doirada do tempo do senhor Dom João V, puxada por três ou quatro parelhas de burros lazarentos, que não conseguem arranca-la ao atoleiro em que se encontra. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Tablóides…

O tratamento desumano, impiedoso, e sobretudo incompreensivo, que me infligiste, se me doeu profundamente, nem tu sabes até que ponto me libertou de estranhas opressões e tarefas interiores! 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Le Pecheur (1951)


Descrição: Óleo sobre tela. 140 x 120 cm. 
Localização: Coleção Particular 
Autor: Francisco Bores

Tablóides...

• Dizes tu, e com razão, que os teus imperiosos deveres de cientista te forçam a privar os outros do teu convívio, e até do teu amor, e, com isso, a fazê-los sofrer. Abençoado sofrimento esse, que contribui anonimamente para o bem da humanidade a que te consagraste! Quanto a mim, se sofro, isso é só da minha conta: se eu não deixar, se o não quiser, ninguém me pode fazer sofrer! «Mulher alguma me impedirá de fazer a obra que me propus!», disse eu um dia, anos há, quando certos convívios me dificultavam a vida. E quem sabe?, talvez eu goste de sofrer! Talvez eu ache nisso um aprendizado fecundo! Não hesites pois no que me diz respeito.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Leiria, 20 de Novembro de 1980

Leiria, 20 de Novembro de 1980 – A vida pagou-me hoje a prestação mais isenta do saldo que tenho a haver nas nossas velhas contas. E soube encontrar o sítio certo para efectivar a amortização. Esta terra foi a grande encruzilhada do meu destino. Aqui identifiquei e escolhi os caminhos da poesia, da liberdade e do amor, sem dar ouvidos às vozes avisadas da prudência, que pressagiavam o pior. Aqui, portanto, arrisquei tudo por tudo, fazendo das fraquezas forças, das dúvidas certezas, do desespero esperança. Aqui era justo, pois, que, passados muitos anos e muitos trabalhos, eu viesse verificar com alegria que valeu a pena desafiar a sorte, que tive sempre uma mão-cheia de almas fraternas e solidárias a torcer por mim, e que as cicatrizes das feridas de ontem são os nossos brasões de hoje. 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

15 de Novembro de 1977


• «E somos nós», diz-me um reformado ilustre, «neste belo estado da nossa economia, das finanças e do resto, que nos propúnhamos liderar o Terceiro Mundo, o dos subdesenvolvidos e subalimentados! Devemos talvez alinhar com eles, sim, mas na cauda da bicha. De mão estendida!» Com efeito, sobretudo depois do dia 10 de Junho, a nossa «vocação histórica» parece ser – mais do que nunca – a mendicidade. (Lendo o T.P. de 11 de Junho último.)
• O lume é para o assado o que o ouro é para o magistrado. (Provérbio chinês. Extraído do Chin Ping Mei.)
• «Ora», disse Mark Twain, «há lá nada mais fácil do que deixar de fumar! Eu já o fiz cinquenta e sete vezes!» Comigo foi diferente. Fumei durante mais de cinquenta anos, sem que as doenças mais graves me pudessem tirar o vício. Até que um dia pensei: «Se me vejo fechado, durante uma semana, num quarto de hospital onde for proibido fumar, fico curado!» E assim foi. Pouco depois da revolução de Abril estive hospitalizado durante oito dias. Há três anos e meses que não fumo! A regra é simples. HÁ SÓ UM CIGARRO que nos separa da cura: é esse mesmo que você agora tem na mão! Se o não acender, nunca mais fuma.
• Falarei voluntária e gostosamente dos pobres, dos humildes, dos chagados e leprosos, dos inocentes encarcerados, dos aleijados e ceguinhos, e até mesmo dos que o não são: conquanto que me garantam os trinta ou quarenta contos mensais. Com todas as garantias na doença, no desemprego e na velhice. Sem esquecer que o meu ano conta treze meses, e mais um de férias pagas! Sem isso juro nunca mais ter génio. 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

«METROPOLIS» – ou A MORTE DO PROGRESSO

«Ora adeus!», dizia-me o engenheiro meu amigo. «A civilização? o progresso? um mito! um bluff!... O ideal, meu caro, é regressar à vida primitiva, despreocupada e simples das cavernas!»
Ergui-me de salto, num protesto veemente contra a boutade, mais do que paradoxal num homem que não só colabora permanentemente na complicação técnica das formas actuais do progresso, corno vive à custa deste. Na verdade, quem me demonstra todos os dias, copiosamente, que o rendimento da produção aumentará de forma prodigiosa no dia em que o trabalho obedecer a leis científicas, a uma metodização rigorosa, não tem o direito de sustentar que a minha felicidade está na razão inversa do progresso das técnicas.
Sim, protestei. Repugna-me pensar que a débil compleição e a miopia deste amigo lhe não permitiriam resistir a vinte dias de boa vida troglodítica. Bendita civilização, feliz progresso, que deixas aos fracos, aos doentes, aos mutilados, a alegria de se aquecer ao sol, de pensar, de sentir, e de amar! A todas as perguntas angustiosas sobre o problema e origem da existência e dos seus fins – Porque existimos nós? Vale a pena viver? Porque lutamos?, etc. – uma só resposta satisfaz: «Lutamos para viver, e vivemos para multiplicar a vida.» Instintivamente, prosseguimos o destino que a natureza (ou a Bíblia?) nos ditou – «Crescei e multiplicai-vos,»
Mais forte e poderoso do que lodos os obstáculos, dominando tudo, alimentando as formas mais subtis do nosso pensamento, e os actos mais comezinhos da nossa existência, inspirando-nos a inventiva que nos trouxe do Pamir ao canal de Panamá, obrigando-nos a afeiçoar o primeiro barco e a descobrir os deites rejuvenescentes da glândula do macaco (*) – esse instinto de conservação e de engrandecimento da espécie, esse orgulho animal de sermos e de espalharmos a vida persistente, preside a toda a nossa actividade.
A experiência assegurou-nos que a invenção, pondo a natureza ao serviço das nossas necessidades, realiza milagres que valem, proporcionalmente, o da Criação. À medida que aprisionámos o fogo, que aprendemos a dominar as feras, que descobrimos a orientação e a navegação, que aplicámos os minerais, os animais e os vegetais à nossa defesa e à manutenção da nossa bárbara família primitiva, mais gostoso nos ia sendo o pomo do pecado.
O amor, menos feroz e mais tranquilo, purificou-se lentamente: e os nossos pais antigos olharam com enlevo e esperança os seios ásperos das filhas, que despertavam para o amor, para a sofreguidão das bocas vindouras, num ambiente de calma e segurança. Proteger as vidas futuras, eis o intuito que domina o homem, sem que ele mesmo o perceba.
Mas imaginamos nós, porventura, o que era a vida nas cavernas? Escuridão, fumo, terror, silêncio defensivo? O homem não arrisca um passo através da floresta sem abraçar angustiosamente a fêmea que vem, entre a prole nua, dizer-lhe adeus à porta do abrigo, menos calma do que a esposa de hoje pode dizê-lo ao marido que, solitário numa avioneta, vai tentar a volta ao mundo. Por toda a parte a natureza impenetrável lhe estende, então, a sua perigosa armadilha. As feras fulvas espreitam-lhe os passos. Outros homens, mais inimigos do que irmãos, mal distintos dos monstros que saltam de ramo em ramo e de rochedo em rochedo, surgem de outras cavernas escondidas, armam-lhe esperas entre os arbustos para roubar-lhe as armas, as peles, a vida, a mulher, e, quiçá, comer-lhe a tenra descendência.
A população de um continente inteiro não chegaria então para povoar qualquer pequeno estado da moderna Europa. A insegurança, o incêndio, a luta, os vendavais, as feras, as inundações, mil implacáveis inimigos rodeiam o pobre ser cabeludo e espantado que nós fomos, tornam-lhe amargas as horas de amor, fazem-no olhar com medo supersticioso a morte que lhe arrebata as crias débeis.
Desde então até que o moderno pai de família, percorrido à pressa o jornal da manhã e engolido o pequeno-almoço, possa levar pela mão os meninos à escola, ou tome tranquilamente o carro que o vai deixar à porta do seu banco, para recolher à tarde a uma casa donde nem o senhorio o poderá expulsar – que longo caminho percorrido!
Ainda que chova, podes ir ao teatro abrigado num impermeável; ou ficas em casa à noite, a ler o teu jornal, o teu romance, com a certeza de que o mundo em volta de ti é uma coisa estável, onde se ama e se trabalha, luta e goza, chora e ri, mas sob a protecção da ciência e da lei.
Mas não te vou contar a história da civilização, que daria um grande folhetim!
Louvado seja Marte, a própria guerra progrediu, melhorou: são tão engenhosos, tão perfeitos os instrumentos de morte destes nossos dias, que a percentagem das vítimas da guerra é hoje vinte ou trinta vezes menor que no tempo de Ciro ou de Artaxerxes. Repara que a guerra, no tempo das cavernas, é de família a família, e por isso de extermínio: vencer ou morrer. Depois é de clã, de tribo, de cidade ou feudo. Ainda então ela é de aniquilamento: quem não morre em combate é passado à espada, se velho; vendido como escravo ou concubina, se homem válido ou mulher. E as cidades arrasadas, incendiadas, apagadas muitas vezes da face da terra.
Compara-a, amigo, com a guerra moderna: que sossego, que doce segurança! Enquanto os soldados se batem na frente, bebe-se e dança-se nos cabarés, investiga-se nos laboratórios e nas bibliotecas, ama-se em lugares discretos, pinta-se nos atelieres, discorre-se nas cátedras, ri-se nas plateias, festejam-se aniversários natalícios, e os telescópios seguem atentos a marcha irresistível dos astros… E até se fazem fortunas fabulosas! Acabou-se a guerra? A Alemanha vencida recompõe-se a três anos da derrota. Multiplicam-se as vidas, o amor, as invenções. Novas formas subtis criam-se para gozo dos sentidos. As libras rolam, tinindo, sobre o mundo. Aviões retalham o céu azul (ou de outra cor); anda-se de automóvel para cima, para os lados, para baixo… (Para baixo da terra, sobretudo.)
Oh céus! Pensa agora na Idade Média, tecida de guerras e lutas de extremo a extremo. Na desolação das planícies do Danúbio à passagem dos Hunos, no terror da Sibéria sob as hostes bárbaras da Mongólia, na tristeza despovoada das costas da França, que as incursões dos Normandos ameaçavam.
Chegámos a esta coisa espantosa: a curar a mordedura do cão com o pêlo do mesmo cão. Não são isso as vacinas? Em laboratórios límpidos e brancos, os sábios traçam planos de campanha contra os agentes das pestes que enchiam a Europa medieval de lágrimas, luto, preces ardentes e chamaradas purificadoras, tornando desertas as florestas da Alemanha, quando as populações fugiam em massa aos flagelos misteriosos.
Eu sei: vais-me dizer que o «espírito» nada ganhou desde o cidadão ateniense do tempo de Péricles, eloquente e subtil na graça do seu manto, irradiando finura intelectual, embora ignorante das aplicações dos raios ultravioletas, do rádio ou das ondas hertzianas, até ao técnico moderno, quer este fenda os ares num voo de centenas de quilómetros à hora, quer rasgue um ventre para recompor-nos as vísceras atrapalha das ou salvar um bebé. Concordo que estarão entre si como um botão de brilhantes do peitilho e um modesto botão de cuecas. O homem não terá talvez melhorado a alma, ao melhorar a máquina e a técnica: mas melhorou a vida. E o bom do Sócrates, se vivesse neste nosso tempo de progresso, em lugar de cicuta, teria muito naturalmente tomado um avião que em poucas horas o deixaria em Paris, onde o seu espírito resplandeceria mais do que num forçado exílio entre Citas ou Persas. Dir-me-ás que a cultura espiritual sobreleva ao progresso: mas que me contas da «espiritualidade» de Abel e Caim? Não olhes apenas à qualidade: enquanto, no tempo de Platão, era bem reduzido o número de homens que gozavam do contacto com as ideias superiores – os «discípulos» apenas –, hoje, pela telefonia sem fios, pelo telefone, pelo fonógrafo, pelo cinema, pelo jornal, a revista, e o livro sobretudo, e pela viagem cómoda e barata, qualquer homem sequioso de cultura pode ouvir, ler, ver ou palpar as obras do pensamento humano (**). Ah, tu que vais ao cinema e compraste um toca-discos ou um radiorreceptor para ouvir à noite, em casa, o Menano ou o Fleta, ou os acordes de algum jazz de Nova Orleães, tu que aspiras a um apartamento com aquecimento central, ascensor, telefone, canalização decente e banho, não podes pregar, não tens o direito de pregar contra o progresso! (***)
E tu foste aplaudir a sua destruição brutal na Metropolis de Fritz Lang, esse filme que H. G. Wells (sempre os odiados racionalistas!) classificou de «o mais estúpido do mundo»: porque, vítima que és dum preconceito sobre a civilização, cuidas que a máquina, o motor, o cimento armado, escravizam e aniquilam a humanidade, como se houvesse algum progresso que, a par disso, pudesse fundar-se num princípio que não fosse o da liberdade, o da saúde, o da alegria de viver dos homens!
Não, se os homens ainda hoje caminham por vezes de cabeça curvada, o ano 2000 vê-los-á talvez erguê-la altivamente. As máquinas, aliás absurdas e monstruosas, que nesse filme te figuram escravizado, desumanizado, regimentado, serão precisamente os instrumentos da tua definitiva libertação. O ano 2000 não será de sombra, mas de luz. E pensa, tu que hesitas, como a burra de Buridã, entre a negação e a exaltação do progresso, embora vivas desafogadamente à sua custa, que dele resultará a definitiva emancipação do homem, quando os povos, sem precisar de destruir cidades nem motores, entrarem na usufruição pacífica e definitiva dos produtos de um penoso trabalho de milénios.
(A Notícia, 1928)


(*) Sabe-se que o famigerado Voronoff se enganava e nos enganava.
(**) E sobretudo as do antipensamento – teria acrescentado hoje o ingénuo Artur.
(***) Os avanços da Medicina podem não ter melhorado o homem: mas não será um progresso ético e espiritual o sabermos que as vidas humanas, as das crianças em particular, estão hoje muito mais ao abrigo da morte e da dor? (1962)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Os dois modelos (1930)


Descrição: Óleo sobre tela. 81 x 100 cm.
Localização: Coleção Particular 
Autor: Raoul Dufy

Dia 12 [Novembro de 2009]

Sobre Maria João Pires
Maria João Pires não teve muita sorte com o país em que nasceu. Sessenta anos de carreira (e que extraordinária carreira a sua) justificariam uma homenagem de âmbito nacional capaz de expressar a nossa gratidão por pisarmos o mesmo chão e respirarmos o mesmo ar. Não será assim, pelos vistos, ainda que não lhe venham a faltar na terra portuguesa outras manifestações de admiração e respeito. Foi em casa de uns amigos que a ouvi pela primeira vez, quando ela não passava de uma adolescente que, com o seu frágil corpo, mal parecia haver saído da infância, e que me fez temer se os braços e as mãos lhe chegariam para enfrentar-se ao gigantesco teclado. O piano familiar, vertical, talvez não estivesse em perfeito estado de afinação, mas as primeiras notas saltaram límpidas, cristalinas, dando-me a sensação, não de serem a mera consequência do choque dos martelos com as cordas, mas de haverem brotado directamente dos dedos da própria pianista. Foi o meu baptismo na arte de Maria João Pires. Depois, ao longo dos anos, sempre que ela, já viajante emérita, aparecia por Lisboa a dar os seus recitais, eu lá estava, rogando às potestades celestes que a protegessem do mau-olhado, de um simples sopro de ar que a perturbasse. Talvez por efeito das minhas petições e do crédito que tenho no céu, todos os concertos e recitais de Maria João Pires a que assisti chegaram felizmente ao seu termo. Desta vez, por razões de distância e também de saúde, não poderei estar presente, dar palmas e beijar as suas mãos tão cheias de música, de humanidade, de beleza. Por tudo o que me fez ouvir e sentir, Maria João, obrigado.
José Saramago, O CADERNO

domingo, 11 de novembro de 2012

Coimbra, 11 de Novembro de 1980.


EURÍDICE

Vem pela mão de Orfeu.
Vem, através dos tempos
E da morte,
Realizar, enfim,
O seu noivado eterno.
Do negro inferno
Do esquecimento,
Vem, casta e feminina,
Oculta no seu próprio encantamento.
Vem só em pensamento.
Ele é que a imagina. 

sábado, 10 de novembro de 2012

Dia 10 [Novembro de 2009]

Não ao Desemprego
Diante das manifestações que se estão preparando em toda a Europa, de protesto contra o desemprego, escrevi, a pedido de um grupo de sindicalistas, o texto que a seguir se reproduz.

Não ao Desemprego

A gravíssima crise económica e financeira que está convulsionando o mundo traz-nos a angustiante sensação de que chegámos ao final de uma época sem que se consiga vislumbrar o que e como será o que virá de seguida.
Que fazemos nós, que assistimos, impotentes, ao avanço esmagador dos grandes potentados económicos e financeiros, loucos por conquistar mais e mais dinheiro, mais e mais poder, com todos os meios legais ou ilegais ao seu alcance, limpos ou sujos, regulares ou criminais?
Podemos deixar a saída da crise nas mãos dos peritos? Não são eles precisamente, os banqueiros, os políticos de máximo nível mundial, os directores das grandes multinacionais, os especuladores, com a cumplicidade dos meios de comunicação social, os que, com a soberba de quem se considera possuidor da última sabedoria, nos mandavam calar quando, nos últimos trinta anos, timidamente protestávamos, dizendo que não sabíamos nada, e por isso nos ridicularizavam? Era o tempo do império absoluto do Mercado, essa entidade presunçosamente auto-reformável e auto-regulável encarregada pelo imutável destino de preparar e defender para sempre e jamais a nossa felicidade pessoal e colectiva, ainda que a realidade se encarregasse de desmenti-lo a cada hora que passava.
E agora, quando cada dia aumenta o número de desempregados? Vão acabar por fim os paraísos fiscais e as contas numeradas? Será implacavelmente investigada a origem de gigantescos depósitos bancários, de engenharias financeiras claramente delitivas, de inversões opacas que, em muitos casos, mais não são que massivas lavagens de dinheiro negro, do narcotráfico e outras actividades canalhas? E os expedientes de crise, habilmente preparados para benefício dos conselhos de administração e contra os trabalhadores?
Quem resolve o problema dos desempregados, milhões de vítimas da chamada crise, que pela avareza, a maldade ou a estupidez dos poderosos vão continuar desempregados, mal-vivendo temporariamente de míseros subsídios do Estado, enquanto os grandes executivos e administradores de empresas deliberadamente conduzidas à falência gozam de quantias milionárias cobertas por contratos blindados?
O que se está a passar é, em todos os aspectos, um crime contra a humanidade e desde esta perspectiva deve ser analisado nos fóruns públicos e nas consciências. Não é exagero. Crimes contra a humanidade não são apenas os genocídios, os etnocídios, os campos de morte, as torturas, os assassinatos selectivos, as fomes deliberadamente provocadas, as contaminações maciças, as humilhações como método repressivo da identidade das vítimas. Crime contra a humanidade é também o que os poderes financeiros e económicos, com a cumplicidade efectiva ou tácita de os governos, friamente perpetraram contra milhões de pessoas em todo o mundo, ameaçadas de perder o que lhes resta, a sua casa e as suas poupanças, depois de terem perdido a única e tantas vezes escassa fonte de rendimiento, quer dizer, o seu trabalho.
Dizer «Não ao Desemprego» é um dever ético, um imperativo moral. Como o é denunciar que esta situação não a geraram os trabalhadores, que não são eles os que devem pagar a estultícia e os erros do sistema.
Dizer «Não ao Desemprego» é travar o genocídio lento mas implacável a que o sistema condena milhões de pessoas. Sabemos que podemos sair desta crise, sabemos que não pedimos a lua. E sabemos que temos voz para usá-la. Frente à soberba do sistema, invoquemos o nosso direito à crítica e ao nosso protesto. Eles não sabem tudo. Equivocaram-se. Enganaram-nos. Não aceitaremos ser suas vítimas.
José Saramago, O CADERNO

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

9 de Novembro de 1977

Folheando um destes volumes de luxo que são hoje a moda editorial, diz Alípio: «Outra edição imorredoura de uma obra nado-morta!»
• O prazer da escrita começa por ser uma devoção, toma-se obrigação, e acaba em escravidão.
• Certa literatura, assim chamada, devia antes denominar-se «Morte do Discurso». Ou do texto, para irmos na pista de Roland Barthes

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

8 de Novembro de 1977

Os medíocres e os estéreis inventaram a polémica para impedir que os autênticos criadores, detendo-se a prestar-lhes atenção, e consumindo assim as suas energias e o seu tempo, possam consagrar-se a fazer obra!
Anoitece, e o terror entra com ele: a ideia das trevas, das intermináveis horas de silêncio e solidão, de vazio, e o esforço cada vez maior de ler! A atenção dispersa por mil pensamentos desconexos, o trabalho impossível – tudo o leva a pensar no suicídio de Von Kleist, de Antero, de Gravivet, de tantos mais!
Este, ao contrário, quando a noite cai, acalma e rejubila: decresce o rumor e a dispersão agitante do exterior, a luz torna-se estática, invariável: na ausência do sol acabam-se as sombras, que deixam de girar como os ponteiros de um relógio. Está só, descontraído, acodem-lhe os pensamentos, expande-se como um gás no espaço livre. E assim chega a sentir-se optimista e feliz!
Comentando o artigo de um crítico bem-intencionado, mas de curta visão, a respeito de uma obra sua, o escritor disse: «Depois de ler isto, não creio que haja um só leitor que ouse comprar o meu livro!» E um amigo: «Felizmente poucos dão ouvidos aos críticos!»
Dos apontamentos de um colegial: «A decadência de um indivíduo mede-se pelo número de décadas que ele tenha vivido.» 

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

CARTA A UM AMIGO-NOVO - De Profundis, Valsa Lenta

Meu caro Zé:

Acabo de receber o seu manuscrito. Li-o com o alvoroço da primeira visita a um recém-nascido cuja gestação se acompanhou de perto. Fiquei encantado. Trazia ainda marcas do parto: os traços da sua belíssima caligrafia – letra de escritor – que tanto me faz lembrar a de outro seu colega de ofício, íntimo de ambos.
Ao Editor terá V. transmitido o desejo que eu lhe acrescentasse um punhado de palavras à guisa de Prefácio. Não mo pediu directamente, porque temia talvez que eu não aceitasse a incumbência, porque, embora tendo eu o “gosto pela escritas, estou bem consciente de até onde deve ir o sapateiro, e Prefácio para obra sua era demais para este remendão.
É claro que não me falta experiência na análise e censura de manuscritos científicos, menos para lhes corrigir o estilo – que tantas vezes nem lá está – mas para pesar do rigor do método, espiolhar os resultados, conferir as citações, apurar da lógica das conclusões. Embora haja, talvez sem V. querer, ciência no seu livro – e da mais fina –, qualquer correcção que neste sentido lhe sugerisse, iria irremediavelmente estragar-lhe o paladar.
Poderia, é certo, elaborar a chamada “epicrise” do caso clínico, enunciando os sintomas iniciais, descrevendo o quadro estabelecido e a sua evolução, extraindo doutras conclusões sobre o tipo de lesão e a sua localização, rejubilando-me, com a discrição que é própria das coisas científicas, pelo êxito do tratamento, que confesso não sei qual foi, mas desconfio que o resultado final se ficou a dever simplesmente ao triunfo de um cérebro optimista.
Julgo-me capaz de tal tarefa, mas iria roubar a oportunidade a outros de se debruçarem sobre o seu “caso”, que dá o que se chama agora um excelente “case-study”. É que está na moda este tipo de exercício, como é também popular auscultarem-se manequins (de borracha, entenda-se), simular situações patológicas com actores treinados para o efeito, e outras invenções pedagógicas que permitem ao aluno aprender sem tocar em doentes de carne e osso, tudo isto, a meu ver, por um entendimento vesgo de como se deve ensinar o ofício hipocrático. É claro que assim é impossível os aprendizes conhecerem o estado único de “humanidade ferida”, no fundo a essência de qualquer moléstia.
Confesso que foi mais difícil resistir à tentação de dissertar sobre a relação entre a doença e a criação artística que sempre me fascinou e que Sandblom tratou com exemplar erudição no seu Creativity and Disease. Mas tanto já foi dito sobre a influência de pragas antigas e contemporâneas: Keats, as Brontë, Júlio Dinis, António Nobre, Thomas Mann e tantos mais que sofreram ou sucumbiram à tuberculose, e mais as cataratas de Monet, e a sífilis de Nietzsche, etc., etc.
Mais interessante para mim é a experiência de Chekhov, médico, doente e escritor que dizia ser a Medicina a mulher legítima, e a literatura, a sua amante; quando de uma delas se cansava, passava a noite com a outra. Reconhecia, no entanto, que, se apenas pudesse contar com a imaginação para construir a sua obra literária, pouco teria para escrever.
Os seus colegas de ofício que se debruçaram sobre a minha profissão, com possível excepção daqueles que a cultivavam, raramente eram amáveis para nós. Recordo-lhe o veneno de Voltaire que dizia que as três pragas da humanidade eram a guerra, os padres e os médicos, e Montaigne, Molière, Bernard Shaw não lhe ficavam atrás. Noutro género, V. talvez conheça a gravura de Goya em que este se retrata, no leito, em grande sofrimento, com um enorme jerico a tomar-lhe o pulso. O meu amigo não sofre desta pecha e não procurou ocultar a sua gratidão. Não me surpreendeu, pelo que conheço de si, mas gostava de lhe contar que, um dia, o mestre que me ensinou a filosofia da arte e muito da sua técnica, me declarou, impaciente: “Gratitude is a killing sentiment”. Nunca o percebi...
Devo dizer-lhe que é escassa a produção literária sobre a doença vascular cerebral. A razão é simples: é que ela seca a fonte de onde brota o pensamento ou perturba o rio por onde ele se escoa, e assim é difícil, se não impossível, explicar aos outros como se dissolve a memória, se suspende a fala, se embora a sensibilidade, se contém o gesto. E, muitas vezes, a agressão, como aquela que o assaltou, deixa cicatriz definitiva, que impede o retorno ao mundo dos realmente vivos. É por isso que o seu testemunho é singular, como é única a linguagem que usa para o transmitir. Eu explico-me melhor: o conhecimento científico das alterações das funções nervosas superiores obtém-se em regra por interrogatórios exaustivos, secos, monótonos, e recorrendo a testes padronizados, ou seja, perguntas idiotas cientificamente testadas e estatisticamente aferidas – dizem os autores.
Propositadamente, V. nada quis saber sobre o substrato neurológico do que lhe ocorrera, e disso dou testemunho. Um jantar arranjado com essa intenção, em restaurante apropriado da sua Lisboa, em que o dono me imortalizou a seu lado em “instantâneo” já devidamente pendurado, serviu tão-somente para eu conhecer melhor o amigo a quem escrevo e lhe prestar esclarecimentos elementares sobre a matéria em estudo. V., que tem espírito geométrico, e não foi matemático porque não quis, fugiu a dar ao tema qualquer tratamento científico. Não conseguiu contudo evitar dar-lhe tratamento literário, e o texto tem naturalmente o estilo que lhe confere uma experiente e riquíssima linguagem literária. E, como alguém disse, o que caracteriza esta é a técnica que a impede de se tornar numa “forma utilitária de comunicação”. Mas, em minha opinião, a sua “história clínica” só poderia ser contada ao seu modo, o que significa que os fenómenos que descreve são mais facilmente apreensíveis através dos seus instrumentos narrativos do que através de um relatório minucioso de um qualquer neuropsicólogo.
Tentei no passado, sem êxito, devo confessar, que pacientes meus, com patologias e equipamento algo semelhante ao seu – inteligência, sensibilidade, poder de análise, talento discursivo, distanciamento introspectivo –, partilhassem com outros a sua história. Uma delas, mulher de excepcional perspicácia, ia-me descrevendo a sua recuperação motora e as estratégias que para o efeito utilizava, com tal lucidez, que eu aposto que ela ia recriando exactamente o programa genético que põe um bebé, primeiro de gatas, depois de pé, e finalmente a andar.
Uma outra, música brilhante, ia-me contando como a sua relação com a música se alterara, desde a enunciação do solfejo, ao dedilhar das notas, e como o instrumento se tornara num realejo de impávida brutalidade, sem modulação de sentimento ou emoção.
Depois de tão longa introdução, pensará V. que, afinal, temos Prefácio. Não, meu caro, isto foi apenas o pretexto para o que se segue, foi o preâmbulo desta «carta a um amigo-novo». Novo num sentido duplo: primeiro, porque renovado na saúde (e a sua história dá força particular à ideia, que eu gostaria de tratar um dia com outra profundidade, da Medicina como triunfo do regresso); novo, para mim, ao aceitar-me no círculo, que eu sei acanhado, daqueles que estima. Esta é uma das benesses acessórias, mas não menos preciosas, da profissão que escolhi.
Creio ter entendido ser sua vontade que eu prestasse um testemunto especializado, embora naturalmente acessível ao leitor leigo, sobre o que lhe sucedeu. Aqui vai portanto, começando pela reconstituição dos factos.
Um sábado de manha, dois dias depois do início da crise, e obedecendo à ordem de um amigo inquieto (transmitida por outra amiga inquieta), entreguei-me à missão, bem portuguesa, de me «inteirar do seu estado de saúde». É convicção arreigada na alma lusitana que a interferência de médico graúdo apura o tratamento, apressa a cura, empresta enfim ao paciente estatuto de maior fidalguia. Além disso, sempre é «informação directa», como se diz das peças mais caras, nos catálogos dos leilões chiques. Encontrei assim o escritor cuja obra eu admirava, e cuja lenda atingira para mim dimensão mitológica, numa enfermaria de precárias condições, mas, como se veio a provar, único local apropriado para recolher um artista do seu génio, tombado por acidente deste tipo. Prefiro acidente ao «ataque isquémico transitório» da literatura anglo-saxónica, com que, com alguma boa vontade, se poderia carimbar o seu caso, pois a sua aflição durou mais de um dia. Quanto ao «ataque», lembro-me sempre de um passo de Jules Romains «A banda atacou o hino russo, que se defendeu bem!».
Quando o visitei, levava eu as tais calças de xadrez de palhaço «snob» conforme V. inadvertidamente teledifundiu, pormenor agora omitido, mas registado na altura por uma memória desgovernada que gravou também, insolitamente, a imagem da pulseira bordada da neurologista que de si cuidava. Da brancura da paisagem que o envolvia iam nascendo fugazes fantasias cromáticas. É natural que tal sucedesse: Mondrian que soube, melhor que ninguém, simplificar estas coisas, dizia que são o traço e a cor e as relações entre eles que põem em jogo o registo sensual e intelectual da totalidade da vida interior.
O grande choque, para mim, foi o seu discurso. Não havia dúvida, o José Cardoso Pires sofria de uma afasia fluente grave, ou seja, não era capaz de gerar as palavras e construir as frases que transmitissem as imagens e os pensamentos que algures no seu cérebro iam irrompendo. A sua fala era um desconsolo: atabalhoada, incongruente, polvilhada de parafasias – palavras em que os fonemas estavam parcial ou totalmente substituídos. Sem fala, escrita e leitura, a Agência Lusa foi peremptório: morte cerebral, diagnóstico escandalosamente errado do ponto de vista médico, mas humanamente certeiro.
Também eu executei os tais testes, e lhe fiz as tais perguntas idiotas da praxe, para tentar perceber até onde a doença amordaçara a voz que tantas liberdades proclamara. Sei, agora, que uma nave espacial o tinha entretanto transportado para outra galáxiametáfora que eu prefiro à sua, mais anedótica, da ilha dos três náufragos –, onde palavras como «óculos», «relógio», «cama» não tinham préstimo ou sentido, e onde, para designar todos os objectos conhecidos, e os mais que havia ainda por inventar, se aplicava o neologismo extraordinariamente eufónico que V. criara: «simoso».
Saí, desanimado e inquieto, pensando onde raio iria encontrar relojoeiro que o consertasse. Havia, no entanto, uma réstia de esperança. A tomografia axial computorizada (o «TAC» ou o «taco» como o povo lhe chama) era normal. Esperança débil, porque é sabido que no início, nestes acidentes, o tecido cerebral mantém, com um resto de «coquetterie», a sua imagem intacta. Para averiguar da profundidade e da reversibilidade do mal, é preciso, pois, recorrer a técnicas de outra sofisticação que permitem fazer o correcto levantamento dos estragos. Era claro, para todos nós, que um minúsculo coágulo de sangue se esgueirara a partir da sua paciente bomba cardíaca, ou de artéria grossa, parcialmente enferrujada, e viajara até parar e entupir, ou, então, houvera birra da canalização local. De qualquer modo, um grupo de neurónios, dos de melhores pergaminhos, ficara subitamente privado de oxigénio para respirar e de açúcar para se alimentar. Quando tal sucede por um período prolongado de tempo (e não é preciso muito), a célula nervosa começa a sofrer, e a primeira coisa que se altera é a sua membrana, dama de permeabilidade aristocraticamente selectiva. Entram então sódio e cálcio, e sai potássio, e produzem-se substâncias a que os químicos chamam radicais livres, causadores dos maiores malefícios, como qualquer de nós poderia adivinhar, pois radicais não são para andar à solta. A pouco e pouco esgota-se a energia, a célula desfalece e morre.
Acontece, porém, que, quando esta privação de oxigénio e nutrientes não é total, a célula entra numa espécie de hibernação, no universo a que os especialistas chamam de penumbra isquémica ou, o que é ainda mais poético, transforma-se em bela adormecida. As frentes da luta terapêutica buscam a reconstituição da permeabilidade do vaso entupido, o prolongamento quanto possível deste estado de hibernação protectora, e a estabilização da membrana, como que reforçando a polícia das fronteiras.
Se nesta área o progresso conceptual dos últimos anos é notável, as vitórias decisivas vão surgindo mais lentamente. É claro que em séculos não muito remotos, em situações de apoplexia, diagnóstico inevitável em caso como o seu, se recorria logo à sangria. O pobre rei Luís XIII sofreu num só ano quarenta e sete, além de duzentas e doze purgas e duzentos e cinco clisteres. É escusado dizer-lhe que morreu jovem.
É claro que lhe podia enunciar cientificamente os possíveis mecanismos pelos quais se operou a sua «restitutio ad integrum». Não sei, nem para o caso importa muito, quais eles foram. Eu tenho duas outras explicações originais, uma talvez pouco científica, e a outra digna de mais madura reflexão.
A primeira, é que V. simplesmente teve sorte, e não há nada de mal nisso. O inimigo queixava-se de Napoleão por ele ter generais com sorte, ao que o imperador retorquia que não gostava de generais sem sorte, principio para mim fundamental na prática da profissão.
A segunda, é que a área que temporariamente V. deixou à sede e à fome, e pela qual falava, lia e escrevia, tudo funções em que é exímio, era mais musculada que a do comum dos mortais. E isto não é treta, porque se sabe hoje que os donos do ouvido absoluto, que lhes permite identificação imediata de qualquer som – e Mozart tinha-o, e de forma admirável –, têm a área auditiva do córtex cerebral indiscutivelmente hipertrofiada.
Embora tenha prometido fugir à exegese neurológica do seu texto, não posso deixar passar em branco alguns pontos que obrigarão à reflexão dos estudiosos e que justificam a minha tese de ser o seu manuscrito contribuição importante para a matéria.
O primeiro toca o mistério que desde sempre tem intrigado os afasiologistas e que se refere ao estado mental dos afásicos, ou seja, o que pensa e como pensa, aquele que não consegue de modo algum comunicar o pensamento. Aliás, esta questão é tão inquietante como a de tentar perceber o que sentem aqueles que se encontram no chamado «estado vegetativo persistente», em cuja intimidade receamos penetrar, esquecendo talvez que as flores também sofrem.
Penso que o puder de narrar toda a intensidade do sofrimento ou o bálsamo do esquecimento inconscientemente aplicado suavizaram a sua descrição da angústia da perda de identidade, do seu isolamento, sem nome, sem assinatura e sem memória. Este é um dos pontos mais intrigantes do caso, porque nos nossos esquemas anatómico-funcionais a memória não vive na zona lesada no seu caso. Curiosamente, V. prende sempre a memória à imaginação, afinal ingredientes indissociáveis e indispensáveis à sua criação literária. Num mundo sem coordenadas de tempo ou de distância, «afásico» portanto, inundado da luz gelada, do néon de um café de província, V. não temeu!
As lágrimas dos amigos deixam-no perplexo. É certo que outro hemisfério, o não-dominante, lá ia trabalhando, ocupam a vigiar a caldeira das emoções. Lesões desse hemisfério – o direito – causam dano à capacidade de organizar uma narrativa, contar uma história, escrever unia carta ou rir com uma anedota. Disto V. escapou.
Também do ponto de vista semiológico, é fascinante o uso surrealista da escova de dentes, que aliás V. interpreta, talvez correctamente, como mais uma partida de uma memória traquina.
E que dizer da misteriosa escrita, quase cirílica que inventou? Por mim, passo adiante, em respeito pela beleza da sua interpretação, ignorante também do seu sentido fenomenológico.
Toda a sua narrativa abala ainda mais os pilares em que se erigiu a neurologia tradicional, que hoje só se mantém de pé por razões operacionais – e operatórias. De facto, o entendimento clássico é que uma lesão numa área determinada causa a perda de uma função específica, «ergo» esta função tem ai sua sede. Haveria, assim, zonas eloquentes, de que fujo como o diabo da cruz, já que a sua invasão equivale a desastre, outras, chamadas na nossa ignorância de não-eloquentes, campo aberto para as minhas batalhas com o Inimigo.
É evidente que este esquema é de confrangedora simplicidade, mas serviu, por exemplo, para que um psiquiatra patusco do século passado fosse extirpar a sua área para fazer calar as alucinações auditivas dos esquizofrénicos.
Sabe-se, hoje, que não existem centros individualizados, mas redes neuronais sincronizadas, ligando múltiplas áreas funcionais. Ao mesmo tempo, vamos tentando perceber a arquitectura neural de funções tão complexas como a consciência, a atenção, a vontade, a própria memória, para não falar já de outras, parece que únicas da raça, como o juízo moral ou o génio artístico.
Um dia, V. regressa, escritor que veio do branco, e imediatamente se põe a observar e a absorver, os dois passarões arruinados que o destino colocou ao seu lado, e enreda-os na sua trama criativa, instrumentos inocentes de uma terapia ocupacional que o redime. Aí, até eu participo, feito Godot ou General do seu labirinto. E a música de cena era canção de esperança, «Forever», não o «Nevermore» do corvo agoirento. E foi retomando a leitura e a escrita, em pequenos passos, em golinhos sorvidos com delicadeza.
Estava finalmente pronto para a partida, recuperadas as coordenadas do espaço, do tempo e de todos os outros sentidos que são afinal mais que cinco. E Lisboa, que já dera por sua falta, abre-lhe os braços.
Mas a história não acaba aqui. Como V. conta, algures entre a terra e o céu, alguém estaria então a reconstruir o cérebro do seu personagem, quem sabe se ao som do «Quarteto das Dissonâncias», o K 465 de Mozart. Que escolha inspirada esta!
Talvez não saiba o que sobre esta obra admirável escreveu Maynard Solomon, em biografia recente do compositor: «Aqui (no primeiro andamento, o adagio), Mozart simula o próprio processo da criação, mostrando-nos os elementos do caos e a sua conversão em forma (...) a transição da escuridão para a luz, do mundo subterrâneo para a superfície (...) e agora, no allegro, o tema emerge, elevando-se, já liberto, transcendido o medo da aniquilação». Como vê, a harmonia é total.
A carta já vai longa de mais, e disso me penitencio. Creia no entanto que muito mais teria para dizer, sobretudo para lhe demonstrar que este seu «brainchild» é um testemunho impressionante de como o génio criativo floresce no sofrimento.
Uma última palavra. Para Keats, o desafio da poesia do futuro era «thinking into the human heant». Os cientistas deste e de próximo século sabem que a tarefa é «thinking into lhe human brain», pois continuamos todos sem saber porque é que o «binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo». Mas como dizia o personagem do nosso Eça, certas coisas não se sabem e é preferível não se saberem. Não será melhor assim?


Páscoa de 1997

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Pendurar a roupa para secar (1875)


Descrição: Óleo sobre tela. 33 x 40,6 cm.
Localização: National Gallery of Art de Washington 
Autor: Berthe Morisot

6 de Novembro de 1977

Escrever é, por vezes, uma doença mental. Se resisto a fazê-lo, mesmo ignorando do que se trata, assalta-me uma lancinante dor de cabeça, que só me passa dando-lhe escape pelo bico da pena. (Assim Zeus «pariu» Palas Ateneia!) E em geral é com espanto que observo o resultado, ou seja, a causa final da cefaleia. 

domingo, 4 de novembro de 2012

4 de Novembro de 1977

Sendo ele menino, aquela dama, pertencente a uma grande família industrial, intelectual e republicana, dirigiu-lhe uma noite a usual e estúpida pergunta: «Que queres tu ser quando fores crescido?» E ele respondeu ao acaso: «Advogado!» A dama, desdenhosa e superior: «Das causas perdidas, não?». Ele percebeu-lhe a intenção deprimente e ficou embatucado. Pois bem: daquela ilustre e renomada família não tardou em surgir um dos mais conhecidos burlões da profissão forense!
A Sociedade (oficial) de Escritores da República da Grande Rússia, com uns cem milhões de nacionais, raros iletrados, e um vasto público leitor, tinha há anos uns 250 a 300 membros. Ao tempo, a nossa chorada Sociedade de Escritores, para uma população de nove milhões, com trinta por cento de analfabetos e uma reduzida audiência, contava cerca de 600 sócios. Diz-me Alípio, doutoral: «Prova evidente de que estamos muito mais adiantados do que a URSS!» Mas onde se esconderam tantos génios (os nossos)? Se uma andorinha não faz o Verão, quantos escritores serão precisos para fazer uma literatura?
Quem pretende agradar a toda a gente acaba por não agradar a ninguém – ou por desagradar a todos. Do mesmo modo, quem está sempre na razão acaba por perdê-la completamente.
Só quem não tem opinião própria (pessoal) pode estar de acordo com todo o mundo.
Quem com todos se dá bem, não inspira confiança a ninguém. 

sábado, 3 de novembro de 2012

Cardeal da Troika


Cardeal Policarpo, cartoon de Fernão Campos.José Policarpo, cardeal patriarca, exerce o múnus em Lisboa, havendo nascido nas Caldas da Rainha, em 1936, ano de grandes clamores na Ibéria: a Revolta dos Marinheiros, em Portugal, a criação do Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, a Guerra Civil, em Espanha. O local e o tempo da aparição da futura Eminência aconselharia sentimentos de pudor e estremecimentos democráticos, então como hoje, época de hipersensibilidades e definições pró ou contra-civilizacionais. Bem conhece Dom José a heráldica caldense, materializada nos erectos falos da Autoridade e na figura esquiva do Povinho. Mas conforme o narrado nesta crónica da República, Dom José não liga ao Zé. Decididamente. Provocatoriamente. 

Milagre do Sol
 ou terramoto ? 

No dia 13 do corrente, Dom José pregou e praguejou perante 150 mil fiéis, na tribuna de Fátima, assinalando o 95º aniversário do
 milagre do Sol. Aproveitou o purpurado para desvalorizar e até censurar as manifestações populares contra a austeridade ou o roubo ou a Arte de Furtar. [1] Certamente a crise não bateu, não bate e não baterá à porta do patriarca. No entanto, a grande maioria da audiência mariana que se dignou escutá-lo está a ser vítima de confisco, esbulho, saque, terramoto fiscal, assalto à mão armada, bomba atómica. Dom José amaldiçoou as manifestações dos pagantes dos prejuízos do BPN, das vorazes PPP`s, dos submarinos de águas turvas, das malversões de fundos europeus, do regabofe de consultores e assessores, dos traficantes & corruptos, da agiotagem da Dona Merkel & de seus SS/Sócios Sanguessugas. O paramentado orador puxou dos galões da dogmática (que lhe é curricularmente cara) para advertir e instruir os peregrinos mais ou menos como se segue: Cordeiros do BPN, da UE e do FMI, manifestações, Filhos, só de fé, perdão, resig(nação). Nada de cólera profética e inquietação ética, muito menos de indig(nação) cívica. Andam por aí a cantar: Acordai! Acordai! Haverá coisa mais bela do que uma pátria adormecida? Que ninguém vos acorde da inocência e da indigência. Recolhei a casa e ao seio da santa madre. A rua é local de todas as tentações. Não participeis no adeus ao Governo. Reservai os lenços brancos para o adeus à Virgem e para mostrar desagrado aos treinadores de futebol. 

Pax germânica
 

Com tal prédica, o lustre caldense pretendeu ofuscar e reconverter milhões de portugueses, reactualizando a mensagem de 1917, altura em que o astro-rei dançou e tanto bastou para que a História imediatamente se movesse: a 7 de Novembro eclodiu a Revolução Bolchevique; a 8 de Dezembro deu-se o Golpe de Sidónio Pais. Dom José algo terá lido na abóbada celeste que o incitou a uma cruzada contra as manifestações (orgânicas e inorgânicas). Diremos: contra certas manifestações. De facto, Dom José presidia a uma manifestação de massas, por ele transformada em contra-manifestação. De facto, sempre demasiadas eminências e reverências prezaram a manutenção da ordem no aprisco e a recondução de ovelhas tresmalhadas. A doutrina social da Igreja (que temporariamente constituiu um avanço conceptual e um activo evangélico) oscila, hoje, entre dois paraísos para os ricos (os fiscais, em vida, os da Grande Nebulosa Misterial, gozados os terrenos) e dois infernos para os pobres, principalmente para os que não acalmam os mercados, promovendo manifestações, vigílias e greves, naturalmente fora de recintos marianos e sem obedecer ao cantochão e ao cânone. Ocorre ainda uma coincidência (acidental ou planeada): a Igreja Romana é chefiada por um patriarca alemão e a Europa é comandada por uma matriarca alemã. Estamos sujeitos a um novo
 diktat germânico. Se Pio XII, sendo italiano, foi justa ou incorrectamente considerado o papa de Hitler , Bento XVI poderá vir a ser considerado o papa de Merkel. E Dom José, neste Redesenho do Mapa Imperial, será ou a Igreja consentirá que venha a ser o Cerejeira possível? Dado seu passado e dada a sua idade, sem grande espaço vital para recredibilizar o Verbo, Dom José arrisca-se a ficar como uma Cátedra da Merklândia e uma Catedral da Teologia dos Mercados. 

Fonte Luminosa e pistola na batina
 

Vamos ao Calendário das últimas décadas: em 1975, Mário Soares reuniu-se com o cardeal António Ribeiro, antecessor de Dom José e seu companheiro de incensos tabágicos, degustações místicas e confidências da
 Ceia dos Cardeais. O patriarca da transição da ditadura (1971) concertou com o incréu Soares uma convocatória diocesana para a manif. da Fonte Luminosa; em 1975, Dom Francisco Maria da Silva, primaz das Espanhas, encabeçou, de pistola sob a batina, uma manif. contra a Revolução, que culminou com a sede do PCP em chamas; [3] em 1982/1984/1995/2007, a Igreja mais legionária assanhou as hostes contra a despenalização da IVG, proclamando o dever de resistência por todos os meios legítimos. [4] 

Felizmente para a Igreja e para o Povo, outros bispos, padres e numerosos cristãos defendem o direito e
 o dever de resistência a medidas de usurpação de bens, rendimentos e direitos legítimos, atentatórias da justiça e da liberdade, da soberania institucional e da independência nacional. O Zé Povinho está a redescobrir, a densificar e a intensificar a democracia participativa, depois de continuados abusos e desenganos de eleitos sem consideração pelos eleitores. Os tais eleitos do Senhor ou do Arco do Poder . A democracia representativa mostrou os seus limites e os seus desvios, as suas perversões e as suas capturas. Mas há casos de excepção. Dom José, ouviste falar do presidente da Câmara das Caldas da Rainha que, embora do PSD, principal partido do Governo, exprimiu apoio à manifestação da CGTP, que encheu e fez transbordar o Terreiro do Paço? [5] Não estarás a ser mais passista e gasparista e troikano do que o edil? Não poderás ter abdicado do papel de denúncia e de irmandade? A Igreja prescindiu de qualquer relevante missão? O ídolo Ronaldo é, na alvorada do século XXI, o mais notório agente de cristianização da Península? 

O Melhor Povo do Mundo
 

Para terminar, Dom José, recordarei à Igreja uma passagem do cronista do Reyno:
 [6] em 1383, sentava-se na cadeira episcopal Dom Martinho, que se terá escusado a mandar tocar os sinos a rebate para que o povo de Lisboa formasse um escudo à roda do Mestre de Avis contra Castela, que ambicionava ocupar o trono português. Martinho foi lançado de um torreão da Sé, caindo do céu aos pés da arraia, que lhe arrancou as roupas e arrastou o cadáver (nu, ensanguentado, politraumatizado) até ao Rossio, sendo entregue à algazarra do garotio e à volúpia dos cães. A evocação nada tem a ver com qualquer justificação da barbárie, Dom José. É apenas um lembrete para aqueles que consideram os portugueses um manso rebanho, de brandos costumes. incapaz de violência contra o Poder, mau grado toda a violência do Poder. Já Spínola exaltava o Bom Povo Português (o da maioria silenciosa). Escapou-se para o exílio e montou uma rede bombista. Gaspar também massacra o Melhor Povo do Mundo . Quando irradiado, só terá propensão para montar uma rede bancária. O BPP e o MPM não serão apólice de seguro. São ficções adulatórias. Não passam de slogans de conveniência. Elogiar a vítima faz parte dopathos dramatúrgico. O algoz ostenta ar compungido para aliviar a repugnância do acto. É dos Manuais de Etiqueta dos Inquisidores. Explosão social no horizonte – alertam ex-presidentes da República e outros sismógrafos multimédia. Para já, o melhor do mundo chama gatuno e o pior do mundo a quem o enaltece e alguns inorgânicos ameaçam tirar-lhe a tosse. Veremos como a arraia do século XXI corresponderá aos piropos de Gaspar, criatura com fácies de homem-rã do Além, mas, na verdade, braço executório das forças do capital, da ocupação e da capitulação. 

Dom José, quanto ao que vos respeita, que o Sumo Pontífice vos permita resignar nos próximos meses, em paz com as ruas, procurando retiro espirituoso nas Caldas de Dona Leonor & Raphael Bordallo Pinheiro.

1. Arte de Furtar, 1652. Provavelmente editada em Lisboa, mas dada como impressa na Officina Elzeviriana/Amesterdam, para iludir a Mesa Censória. A publicação é tradicionalmente atribuída ao padre António Vieira, mas correm diversas teses autorais. 
2. A Ceia dos Cardeais,
 1902. Peça teatral de Júlio Dantas (1876-1962). 
3. Paris Match,
 n.º 1369, 23/08/1975. 
4. Enciclopédia Verbo,
 vol. I, Aborto, Edição Século XXI. 
5. Presidente da Câmara das Caldas da Rainha, Fernando Costa, manifestou-se solidário com a manifestação da CGTP. 29/09/2012. Imprensa do dia.
 
6. Cronista do Reyno, Fernão Lopes (1380?-1460),
 Chronica del Rey D. Joam, 1644. Versão digital/Biblioteca Nacional/Torre do Tombo. Ficha bibliográfica 1002968. 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Vale de Malhadas, Freixo de Numão, 2 de Novembro de 1980

Vale de Malhadas, Freixo de Numão, 2 de Novembro de 1980 – Chuvisca. Os companheiros foram-se encharcar nos carrascais e deixaram-me a arder em febre num catre de quinta, a oscilar entre a lucidez e o delírio. Trata-se de uma simples gripe, que nem por isso é um atentado menos absurdo à minha normalidade humana. Cada vez compreendo menos a doença. A que propósito sinto estes arrepios e estas dores musculares? Ontem não sofria, e hoje sofro. Ontem não pensava no corpo, e hoje é ele o objecto de todos os meus cuidados. Enrodilhado em mim mesmo, pareço um bicho indefeso no ninho. Nada há que verdadeiramente me interesse senão ouvir no travesseiro duro as pancadas do coração repercutidas nas têmporas. Lá fora, os montes e o rio, com o mau tempo, devem estar majestosos e patéticos. Mas nem sequer vontade tenho de os espreitar da janela. A paisagem agora sou eu.