• Dizia Raul Brandão que os seus livros, uma vez publicados, eram como filhos atirados ao mundo. Ao invés dele, e de tantos escritores (que talvez não sejam sinceros!), eu releio os meus livros com olho crítico, para os (e me) corrigir… e até para aprender! – pois me espanta às vezes a criatividade de outros tempos, se a comparo à minha relativa improdutividade actual. E até me deixo comover e arrebatar por eles, como qualquer leitor. Fui eu realmente quem escreveu isto? Mas de há tempos para cá gela-me uma atroz repugnância por tanto que escrevi com entusiasmo e amor!
• No seu livro Confrontation avec la Poussière (Gallimard, 1970, p. 32) diz Marcel Jouhandeau:
«Esta manhã, ao descer a escada, em escada, encontrei a nossa doméstica, que vinha entrando. Disse-lhe:
– Maria, acho que vou morrer. Tenho frio e não consigo aquecer!
Então, abrindo os braços em cruz, ela avançou para mim e, pousando a cabeça no meu ombro, disse:
– Não, monsieur! Não me dê esse desgosto! Vou-lhe preparar um bom café, e o senhor vai recobrar vida, fogo e chama (vie, feu et flamme).
É destes testemunhos que eu gosto, sobretudo quando vindos de pessoas indomáveis (indomptables) como esta portuguesa.»
Já não é a primeira nem será a última vez que M. J. se refere nos seus livros a esta sua empregada portuguesa com admiração e carinho. Assim civilizados e sensíveis vêem os bons portugueses de modesta condição, que lá fora vão ganhar o pão e o respeito humano. Saberemos nós acolhê-los assim também, quando eles retomam?
José Rodrigues Miguéis
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