O vezo reformista
Com a "devida vénia", transcreve-se a crónica semanal do juiz conselheiro Artur Costa no JN:
Num debate público em que participei, na Universidade Portucalense, sobre prisão preventiva e segredo de Justiça, o professor Costa Andrade, que também era um dos oradores, afirmou, a dado passo, que não era necessária nenhuma reforma do Código de Processo Penal. Ora, eu não destoo dessa afirmação no que ela pretenda significar de recusa de reformas extensas e sistemáticas, com intervalos de tempo muito curtos entre elas, em prejuízo da estabilidade requerida por diplomas legislativos fundamentais. As reformas são tantas e tão díspares que já ninguém se entende, e acaba por nunca haver tempo para maturar solução alguma. Mas foi sobretudo depois do debate que eu fiquei a pensar no assunto. Na verdade, há problemas que são de lei, mas há outros que são de interpretação. Uma grande parte das situações polémicas a que temos assistido tem a sua raiz na forma inaceitável como a lei tem sido interpretada. Mas não há reformas que valham a más interpretações. A lei não pode ensinar o intérprete a interpretá-la correctamente, isto é, segundo os bons cânones hermenêuticos. Estes pressupõem-se adquiridos por quem dispõe de um título académico que o habilita a exercer uma profissão jurídica. E não há lei nenhuma que diga preto no branco qual é o sentido da sua estatuição. Qualquer texto é por natureza polissémico. Engana-se redondamente quem entende que pode amarrar o intérprete com enunciados perifrásticos e com acumulação de adjectivos e advérbios. A lei tem de ser eminentemente substantiva, sob pena de se tornar ainda mais confusa e prolixa. Além disso, não se podem fazer reformas legislativas como quem muda de camisa.
# posto por Rato da Costa @ 18.3.04
Num debate público em que participei, na Universidade Portucalense, sobre prisão preventiva e segredo de Justiça, o professor Costa Andrade, que também era um dos oradores, afirmou, a dado passo, que não era necessária nenhuma reforma do Código de Processo Penal. Ora, eu não destoo dessa afirmação no que ela pretenda significar de recusa de reformas extensas e sistemáticas, com intervalos de tempo muito curtos entre elas, em prejuízo da estabilidade requerida por diplomas legislativos fundamentais. As reformas são tantas e tão díspares que já ninguém se entende, e acaba por nunca haver tempo para maturar solução alguma. Mas foi sobretudo depois do debate que eu fiquei a pensar no assunto. Na verdade, há problemas que são de lei, mas há outros que são de interpretação. Uma grande parte das situações polémicas a que temos assistido tem a sua raiz na forma inaceitável como a lei tem sido interpretada. Mas não há reformas que valham a más interpretações. A lei não pode ensinar o intérprete a interpretá-la correctamente, isto é, segundo os bons cânones hermenêuticos. Estes pressupõem-se adquiridos por quem dispõe de um título académico que o habilita a exercer uma profissão jurídica. E não há lei nenhuma que diga preto no branco qual é o sentido da sua estatuição. Qualquer texto é por natureza polissémico. Engana-se redondamente quem entende que pode amarrar o intérprete com enunciados perifrásticos e com acumulação de adjectivos e advérbios. A lei tem de ser eminentemente substantiva, sob pena de se tornar ainda mais confusa e prolixa. Além disso, não se podem fazer reformas legislativas como quem muda de camisa.
# posto por Rato da Costa @ 18.3.04
Ministério Público. Excesso de poderes. A CADEIRA.
Freitas do Amaral, o professor, é um dos “teóricos” que se assume publicamente como defensor da funcionalização do Ministério Público. O que não é de muito estranhar, dadas as origens académicas donde surgiu, pois, enquanto assistente de Marcelo Caetano, lhe transportava a pasta para as aulas de Direito Administrativo e estas coisas marcam para toda a vida. Além disso, sendo professor de Direito Administrativo, os outros ramos de direito escapam-se-lhe, aí incluso o Direito Constitucional e a organização judiciária que surgiu com a reposição da democracia no país.
Para FA, o Ministério Público ainda devia estar muito lá atrás, na monarquia, ou, pelo menos, na Constituição de 1933.
Tendo digerido as ideias de Alain Minc, supõe que a justiça se concretiza, entre outras coisas, pela intervenção e intromissão dos políticos na função e, igualmente, na distribuição de cadeiras na sala de audiência. Mas esquece que, como diria Poincaré, “... o que se faz para separar justiça da política é questão de saúde pública...”
Na estrutura mental de FA, também as cadeiras, a sua distribuição, constitui um índice irrefutável do excesso de poderes do MP no processo penal. O prof. jamais entenderá o papel constitucional de um MP defensor da legalidade democrática, por formação, por revanche e porque, apesar das últimas “evoluções”, não evoluiu nada.
É assim como que um Proença de Carvalho, menos elaborado, menos insidioso, que, em tudo, vê o dedo maldoso do MP. E que a propósito e despropósito desanca no Ministério Público.
Tal como a ASJP.
Todos, e em conjunto, levantam a bandeira do tal excesso.
Tenho presente que, numa noite aborrecida e lenta, lá virei o botão da TV. Falava um representante da dita associação (ou era o ilustre Eurico Reis?... esta memória...) e lá veio o disco riscado do excesso de poderes. O jornalista, coitado, sem perceber, inquiriu de um exemplo. Saiu logo: o MP podia recorrer do despacho de não pronúncia e o arguido não. Foi de mestre. O arguido a recorrer de um despacho que lhe era favorável... Deve ter sido o ER...
Mas a magna questão é a da cadeira. Então agora, o clero (MP) fica, no cadeirão, ao nível da nobreza (juiz)? É, sem sombra de uma qualquer dúvida, um afronta à nobreza e ao povo que nem percebe quem manda.
Por essas, e sobretudo por outras, há uns anos, num novo tribunal, o Ex.mº Sr. juiz presidente decidiu, sem trânsito em julgado, a questão: as cadeiras no respectivo sítio, juiz para cima e MP para baixo.
Salvava-se, assim, a questão da distribuição de poderes, quem tem poder lá por cima, quem não o tem cá por baixo. E a igualdade de armas, pois as cadeiras dos ilustres mandatários estavam mais abaixo, o que era pouco estético.
Parece é que o Ministério da Justiça não gostou do desarranjo arquitectónico e lá voltou tudo ao mesmo, misturando, injustamente, o poder com a aparência deste. Foi pena porque teria sido um exemplo para que, de futuro, as coisas fossem postas correctamente, no seu respectivo lugar.
Mas isto não tem só que ver com o caricato dos sofás. Tem a ver com a conceptualização do que é o Ministério Público: funcionário, ou magistrado? Tem a ver com direitos, liberdades e garantias. Tem a ver com a sujeição do MP ao Executivo. Tem a ver com o que é o MP no processo penal: parte ou órgão de justiça?
A “cadeira” é só o símbolo. Como outros símbolos. Há sempre funcionários para as secretarias judiciais, não para o MP, há computadores para juízes, não para o MP, há computadores para funcionários das secretarias, não para magistrados do MP, há gabinetes para juízes, o MP amontoa-se, quase sempre, criam-se novos lugares de juízes, o MP continua com um sem número de agentes não magistrados.
Mas se o problema é só de cadeiras e do local onde se pregam, proponho, desde já, obras em todos os tribunais. Pouse-se os sofás onde deve ser.
Então o POVO não tem de saber quem manda, pelos sofás onde se senta? Pelo menos por aí.
Alberto Pinto Nogueira
# posto por Rato da Costa @ 18.3.04
Para FA, o Ministério Público ainda devia estar muito lá atrás, na monarquia, ou, pelo menos, na Constituição de 1933.
Tendo digerido as ideias de Alain Minc, supõe que a justiça se concretiza, entre outras coisas, pela intervenção e intromissão dos políticos na função e, igualmente, na distribuição de cadeiras na sala de audiência. Mas esquece que, como diria Poincaré, “... o que se faz para separar justiça da política é questão de saúde pública...”
Na estrutura mental de FA, também as cadeiras, a sua distribuição, constitui um índice irrefutável do excesso de poderes do MP no processo penal. O prof. jamais entenderá o papel constitucional de um MP defensor da legalidade democrática, por formação, por revanche e porque, apesar das últimas “evoluções”, não evoluiu nada.
É assim como que um Proença de Carvalho, menos elaborado, menos insidioso, que, em tudo, vê o dedo maldoso do MP. E que a propósito e despropósito desanca no Ministério Público.
Tal como a ASJP.
Todos, e em conjunto, levantam a bandeira do tal excesso.
Tenho presente que, numa noite aborrecida e lenta, lá virei o botão da TV. Falava um representante da dita associação (ou era o ilustre Eurico Reis?... esta memória...) e lá veio o disco riscado do excesso de poderes. O jornalista, coitado, sem perceber, inquiriu de um exemplo. Saiu logo: o MP podia recorrer do despacho de não pronúncia e o arguido não. Foi de mestre. O arguido a recorrer de um despacho que lhe era favorável... Deve ter sido o ER...
Mas a magna questão é a da cadeira. Então agora, o clero (MP) fica, no cadeirão, ao nível da nobreza (juiz)? É, sem sombra de uma qualquer dúvida, um afronta à nobreza e ao povo que nem percebe quem manda.
Por essas, e sobretudo por outras, há uns anos, num novo tribunal, o Ex.mº Sr. juiz presidente decidiu, sem trânsito em julgado, a questão: as cadeiras no respectivo sítio, juiz para cima e MP para baixo.
Salvava-se, assim, a questão da distribuição de poderes, quem tem poder lá por cima, quem não o tem cá por baixo. E a igualdade de armas, pois as cadeiras dos ilustres mandatários estavam mais abaixo, o que era pouco estético.
Parece é que o Ministério da Justiça não gostou do desarranjo arquitectónico e lá voltou tudo ao mesmo, misturando, injustamente, o poder com a aparência deste. Foi pena porque teria sido um exemplo para que, de futuro, as coisas fossem postas correctamente, no seu respectivo lugar.
Mas isto não tem só que ver com o caricato dos sofás. Tem a ver com a conceptualização do que é o Ministério Público: funcionário, ou magistrado? Tem a ver com direitos, liberdades e garantias. Tem a ver com a sujeição do MP ao Executivo. Tem a ver com o que é o MP no processo penal: parte ou órgão de justiça?
A “cadeira” é só o símbolo. Como outros símbolos. Há sempre funcionários para as secretarias judiciais, não para o MP, há computadores para juízes, não para o MP, há computadores para funcionários das secretarias, não para magistrados do MP, há gabinetes para juízes, o MP amontoa-se, quase sempre, criam-se novos lugares de juízes, o MP continua com um sem número de agentes não magistrados.
Mas se o problema é só de cadeiras e do local onde se pregam, proponho, desde já, obras em todos os tribunais. Pouse-se os sofás onde deve ser.
Então o POVO não tem de saber quem manda, pelos sofás onde se senta? Pelo menos por aí.
Alberto Pinto Nogueira
# posto por Rato da Costa @ 18.3.04
Virgens que passais...
Virgens que passais, ao Sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido lar.
Cantai-me, nessa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o Mar
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!
Cantai! Cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas
Que eu vi morrer num sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas,
adormecei-me nessa voz... cantai!
António Nobre (1867-1900)
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido lar.
Cantai-me, nessa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o Mar
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!
Cantai! Cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas
Que eu vi morrer num sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas,
adormecei-me nessa voz... cantai!
António Nobre (1867-1900)
Wassily Kandinsky (1866-1944)
Couple Riding (1906) - Städtische Galerie im Lenbachhaus, Munich, Germany
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