Coimbra, 23 de Março de 1979 — Encíclica papal. Meia dúzia de bons conselhos tutelares, desautorizados pelo seu formalismo e desenxabidos como caldos requentados. Também a Igreja parece apostada na dessacralização do mundo. Dessorada por dois mil anos de compromissos e de retórica seráfica, não se arrisca a relançar aos quatro ventos a palavra de escândalo de que a humanidade sempre necessitou e necessitará. Como que envergonhada dos primórdios do seu vitalismo profético, ensarilha-se num estafado catecismo mais de ordem moral que religiosa, menos preocupada na salvação das nações do que no policiamento dos costumes. Mas sempre a moral teve uma componente de hipocrisia. Sempre sobrelevou os respeitos humanos ao respeito do homem. Ao querer administrar os últimos valores de uma civilização que ela própria fundou mas que progressivamente se foi tornando mais laica, a Igreja, habilidosamente, vai adequando o sobrenatural às razões do natural. Abre mão do maravilhoso cristão e mete-o no mesmo saco do maravilhoso pagão. Nivela o crente pelo descrente. E, nessa metodologia de sobrevivência, deixa os fiéis e os infiéis mergulhados na angústia que já não sente.
DIÁRIO (XIII)
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