OS CUSTOS DA (IN) DEFESA OFICIOSA
O Dr. António Marinho, na crónica semanal que assegura no Expresso, relata na última edição deste semanário um caso a todos os títulos exemplares sobre o que não deve fazer qualquer profissional forense, isto é, afrontar flagrantemente a lei legitimamente aprovada pelos órgãos legislativos constitucionalmente mandatados.
Aparte outras considerações sobre a independência dos advogados que aqui não pretendo para já comentar, refere também a dado passo que «os defensores oficiosos são remunerados pelo Estado com verbas verdadeiramente irrisórias que ofendem a dignidade da advocacia», acabando por aceitar que as verbas gastas com o regime de apoio judiciário constituem, em muitos casos, a única remuneração auferida pelos advogados estagiários, que, implicitamente, reconhece serem os verdadeiros garantes de tal apoio e da defesa oficiosa.
A questão, portanto, deve deslocar-se para a sua sede própria, ou seja, a da defesa oficiosa, verdadeira defesa e de qualidade, tal como exigem a CRP e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Será que aquele regime de defesa oficiosa, garantido essencialmente por advogados estagiários, desacompanhados de qualquer apoio da respectiva Ordem e com o fito quase exclusivo de permitir a artificial sobrevivência dos milhares de candidatos à advocacia, é compatível com as exigências do inalienável direito de defesa consagrado naqueles instrumentos normativos e com a proclamada independência do exercício profissional de tão nobre e indispensável actividade como é a da advocacia em qualquer Estado de Direito Democrático?
Parece que não e disso tem dado nota o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que já condenou o Estado português por violação daquele direito e que nalgumas queixas apresentadas contra Portugal considerou ter ocorrido violação do princípio da proibição da indefesa no processo penal, não obstante ter sido nomeado advogado como defensor oficioso e só porque as instâncias judiciárias não convidaram o defensor nomeado a corrigir ou emendar o processado, inacção que redundou em prejuízo do arguido (cfr. António Henriques Gaspar, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 2, 2003, pp. 261).
E será que a República está em condições de assumir gastos astronómicos com o apoio judiciário em geral e com a defesa oficiosa em particular, com vista a garantir a observância daquele sagrado direito fundamental, para depois ser condenada pela sua violação. É racional e verdadeiro o sistema em vigor, ou tudo não passa de um simulacro de defesa, cujo primeiro objectivo é, afinal, o de atribuir aos candidatos a profissionais independentes uma espécie de bolsa de ar, com muitos euros a voar, até que decidam enveredar por outra actividade, sempre em prejuízo ou com indiferença pelo destino e qualidade da defesa dos interesses dos patrocinados, muito embora se saiba que muitos são os estagiários que dão de si o melhor que têm e sabem para exercerem uma verdadeira defesa.
Parece que também não, como demonstra um levantamento não exaustivo realizado pela PGD de Lisboa, em cuja conclusão pode ler-se. «No ano de 2003, no Distrito Judicial de Lisboa, com exclusão do Tribunal da Relação, o Estado pagou, pelo patrocínio oficioso 9.105.392,81 euros, não tendo liquidado, por falta de cabimento orçamental 301.932,02 euros; no mesmo período despendeu em transcrições de prova gravada em audiências de julgamento 454.152,14 euros, ficando por pagar, por falta de cabimento orçamental 11.624,26 euros».
Elucidativo e irracional, não é? Multipliquem por três, ainda que dando o natural desconto para a diferença de dimensão dos restantes distritos judiciais (Porto, Coimbra e Évora) e terão uma ideia aproximada do desperdício de dinheiros públicos, face aos resultados conseguidos.
O que se espera, sinceramente, é que o anunciado Instituto de Apoio Judiciário, agora finalmente sob a égide exclusiva da Ordem dos Advogados, seja mais do que uma nova experiência e do que um modo diferente de garantir uma espécie de subsídio de desemprego para os candidatos à advocacia, e definitivamente permita cumprir os desígnios constitucionais e do direito internacional em matéria de efectiva e universal defesa de todos quantos tenham de enfrentar o poder punitivo do nosso Estado.
J. Rato
# posto por Rato da Costa @ 30.3.04
Aparte outras considerações sobre a independência dos advogados que aqui não pretendo para já comentar, refere também a dado passo que «os defensores oficiosos são remunerados pelo Estado com verbas verdadeiramente irrisórias que ofendem a dignidade da advocacia», acabando por aceitar que as verbas gastas com o regime de apoio judiciário constituem, em muitos casos, a única remuneração auferida pelos advogados estagiários, que, implicitamente, reconhece serem os verdadeiros garantes de tal apoio e da defesa oficiosa.
A questão, portanto, deve deslocar-se para a sua sede própria, ou seja, a da defesa oficiosa, verdadeira defesa e de qualidade, tal como exigem a CRP e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Será que aquele regime de defesa oficiosa, garantido essencialmente por advogados estagiários, desacompanhados de qualquer apoio da respectiva Ordem e com o fito quase exclusivo de permitir a artificial sobrevivência dos milhares de candidatos à advocacia, é compatível com as exigências do inalienável direito de defesa consagrado naqueles instrumentos normativos e com a proclamada independência do exercício profissional de tão nobre e indispensável actividade como é a da advocacia em qualquer Estado de Direito Democrático?
Parece que não e disso tem dado nota o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que já condenou o Estado português por violação daquele direito e que nalgumas queixas apresentadas contra Portugal considerou ter ocorrido violação do princípio da proibição da indefesa no processo penal, não obstante ter sido nomeado advogado como defensor oficioso e só porque as instâncias judiciárias não convidaram o defensor nomeado a corrigir ou emendar o processado, inacção que redundou em prejuízo do arguido (cfr. António Henriques Gaspar, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 2, 2003, pp. 261).
E será que a República está em condições de assumir gastos astronómicos com o apoio judiciário em geral e com a defesa oficiosa em particular, com vista a garantir a observância daquele sagrado direito fundamental, para depois ser condenada pela sua violação. É racional e verdadeiro o sistema em vigor, ou tudo não passa de um simulacro de defesa, cujo primeiro objectivo é, afinal, o de atribuir aos candidatos a profissionais independentes uma espécie de bolsa de ar, com muitos euros a voar, até que decidam enveredar por outra actividade, sempre em prejuízo ou com indiferença pelo destino e qualidade da defesa dos interesses dos patrocinados, muito embora se saiba que muitos são os estagiários que dão de si o melhor que têm e sabem para exercerem uma verdadeira defesa.
Parece que também não, como demonstra um levantamento não exaustivo realizado pela PGD de Lisboa, em cuja conclusão pode ler-se. «No ano de 2003, no Distrito Judicial de Lisboa, com exclusão do Tribunal da Relação, o Estado pagou, pelo patrocínio oficioso 9.105.392,81 euros, não tendo liquidado, por falta de cabimento orçamental 301.932,02 euros; no mesmo período despendeu em transcrições de prova gravada em audiências de julgamento 454.152,14 euros, ficando por pagar, por falta de cabimento orçamental 11.624,26 euros».
Elucidativo e irracional, não é? Multipliquem por três, ainda que dando o natural desconto para a diferença de dimensão dos restantes distritos judiciais (Porto, Coimbra e Évora) e terão uma ideia aproximada do desperdício de dinheiros públicos, face aos resultados conseguidos.
O que se espera, sinceramente, é que o anunciado Instituto de Apoio Judiciário, agora finalmente sob a égide exclusiva da Ordem dos Advogados, seja mais do que uma nova experiência e do que um modo diferente de garantir uma espécie de subsídio de desemprego para os candidatos à advocacia, e definitivamente permita cumprir os desígnios constitucionais e do direito internacional em matéria de efectiva e universal defesa de todos quantos tenham de enfrentar o poder punitivo do nosso Estado.
J. Rato
# posto por Rato da Costa @ 30.3.04
Voto e negro
Foi a partir de 30 de Março de 1870, pela 15ª Emenda à Constituição, que os homens negros dos EUA passaram a ter direito ao voto.
Pena de morte
Formação
Vários acontecimentos recentes se transformaram num irresistível apelo a que blogasse sobre uma questão de crucial importância, já outras vezes aqui ventilada, ainda que apenas implicitamente, e que de alguma forma interfere também com a da legitimidade do poder judicial.
Falo, claro está, da formação de magistrados.
Creio ser do domínio público que o recém laureado "prémio Pessoa", reflectindo sobre o tema, propôs como novidade aplaudida de muitos quadrantes a criação de um "tribunal universitário", um pouco à imagem do que se passa com os hospitais universitários, como modelo capaz de responder às exigências postas pela "declaração de Bolonha".
Avizinha-se, por outro lado, a realização de mais um concurso com vista à selecção e recrutamento de não sei quantos novos magistrados.
Por fim, está constituída e em pleno funcionamento uma comissão nomeada pelo Governo encarregada, precisamente, de apresentar uma proposta de nova Lei Orgânica do CEJ, sobre cujo trabalho as diversas corporações lançam já um olhar desconfiado.
É, portanto, o momento decisivo para todos estarmos atentos e pugnar pela discussão ampla e séria do que mais importa nesta matéria, deixando de lado velhas querelas corporativas e a irresistível tentação de cada um ver no seu modelo a melhor solução, quando na verdade o problema não radica em modelos mas antes noutras questões compatíveis com quase todos os modelos imagináveis, dentro das disponibilidades financeiras da República.
Claro que os modelos também são importantes, nomeadamente para garantir a equidistância da formação relativamente aos órgãos superiores de gestão das magistraturas e ao Governo, definir critérios de selecção e recrutamento, formação separada e ou conjunta, mesmo com outras profissões forenses, requsitos de admissão, etc.
Mas, indubitavelmente, o mais importante será definir à partida que magistrados queremos: pessoas artificialmente eruditas, propensas a rivalizar com os académicos e distanciadas do caso concreto e da sua resolução rápida e equilibrada, com recurso pragmático e sensato às leis e ao direito, a começar pelo de índole constitucional, ou como dizia Laborinho Lúcio, "gente simples para uma profissão exigente", de quem se espera, como também dizia Armando Leandro, "humildade activa" no desempenho profissional, podendo nem sequer ser licenciada em direito?
Definido, sem medo da palavra, o perfil de magistrado ou de magistrados que se ambiciona, quanto mais não seja por apelo às funcões que se pensa atribuir-lhe, e os objectivos pretendidos para cada um dos momentos formativos, importa depois, acima de tudo, acertar conteúdos de formação, inicial e contínua, respectivas metodologias de ensino, aprendizagem e corpo de formadores sobre quem vai recair essa magna tarefa, começando por ministrar-lhes a formação adequada.
Se assim se fizer e decididamente se investir em tal objectivo (é bom lembrar que actualmente o CEJ consome a quase totalidade do respectivo orçamento com a folha de salários a seu cargo), talvez consigamos, de uma vez por todas, legitimar logo na base a intervenção do poder judicial, sempre com a noção de que não há sistemas perfeitos e de que a selecção e recrutamento se não esgotam na fase inicial da formação, antes reclamando permanentes e actuantes instrumentos de fiscalização e avaliação do desempenho profissional, expurgando o sistema daqueles que em contexto laboral revelem qualquer tipo de incapacidade incompatível com o exercício de uma pequena parcela de poder, ainda que mais aparente do que real.
A ver vamos.
J. Rato
Falo, claro está, da formação de magistrados.
Creio ser do domínio público que o recém laureado "prémio Pessoa", reflectindo sobre o tema, propôs como novidade aplaudida de muitos quadrantes a criação de um "tribunal universitário", um pouco à imagem do que se passa com os hospitais universitários, como modelo capaz de responder às exigências postas pela "declaração de Bolonha".
Avizinha-se, por outro lado, a realização de mais um concurso com vista à selecção e recrutamento de não sei quantos novos magistrados.
Por fim, está constituída e em pleno funcionamento uma comissão nomeada pelo Governo encarregada, precisamente, de apresentar uma proposta de nova Lei Orgânica do CEJ, sobre cujo trabalho as diversas corporações lançam já um olhar desconfiado.
É, portanto, o momento decisivo para todos estarmos atentos e pugnar pela discussão ampla e séria do que mais importa nesta matéria, deixando de lado velhas querelas corporativas e a irresistível tentação de cada um ver no seu modelo a melhor solução, quando na verdade o problema não radica em modelos mas antes noutras questões compatíveis com quase todos os modelos imagináveis, dentro das disponibilidades financeiras da República.
Claro que os modelos também são importantes, nomeadamente para garantir a equidistância da formação relativamente aos órgãos superiores de gestão das magistraturas e ao Governo, definir critérios de selecção e recrutamento, formação separada e ou conjunta, mesmo com outras profissões forenses, requsitos de admissão, etc.
Mas, indubitavelmente, o mais importante será definir à partida que magistrados queremos: pessoas artificialmente eruditas, propensas a rivalizar com os académicos e distanciadas do caso concreto e da sua resolução rápida e equilibrada, com recurso pragmático e sensato às leis e ao direito, a começar pelo de índole constitucional, ou como dizia Laborinho Lúcio, "gente simples para uma profissão exigente", de quem se espera, como também dizia Armando Leandro, "humildade activa" no desempenho profissional, podendo nem sequer ser licenciada em direito?
Definido, sem medo da palavra, o perfil de magistrado ou de magistrados que se ambiciona, quanto mais não seja por apelo às funcões que se pensa atribuir-lhe, e os objectivos pretendidos para cada um dos momentos formativos, importa depois, acima de tudo, acertar conteúdos de formação, inicial e contínua, respectivas metodologias de ensino, aprendizagem e corpo de formadores sobre quem vai recair essa magna tarefa, começando por ministrar-lhes a formação adequada.
Se assim se fizer e decididamente se investir em tal objectivo (é bom lembrar que actualmente o CEJ consome a quase totalidade do respectivo orçamento com a folha de salários a seu cargo), talvez consigamos, de uma vez por todas, legitimar logo na base a intervenção do poder judicial, sempre com a noção de que não há sistemas perfeitos e de que a selecção e recrutamento se não esgotam na fase inicial da formação, antes reclamando permanentes e actuantes instrumentos de fiscalização e avaliação do desempenho profissional, expurgando o sistema daqueles que em contexto laboral revelem qualquer tipo de incapacidade incompatível com o exercício de uma pequena parcela de poder, ainda que mais aparente do que real.
A ver vamos.
J. Rato
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