quinta-feira, 24 de março de 2011

A SERRA DE S. DOMINGOS

Afinal, neste fim-de-semana choveu em Barroso. Os meus vizinhos esfregavam as mãos de contentes:
— Isto é oiro! — diziam.
Por mim não achei graça nenhuma. É que a chuva me impediu de passear. E os passeios a corta-mato, à laia de caçador, são para mim um prazer insubstituível. Nem a sueca — embora reconheça que sou doido por uma suequinha bem batida. Nem o soalheiro — embora reconheça que sou igualmente doido por uma conversinha fiada. Passear, subir e descer montes é que é.
Como toda a gente admite e teme, as nossas aldeias caminham a passos largos para a desertificação. Mais vinte ou trinta anos e serão um deserto. A não ser…
Não ser que amanhã apareça muita gente a fazer aquilo que eu já faço: dias de trabalho na cidade, fins-de-semana no campo.
Mas, atenção. Para que tal aconteça, é absolutamente necessário que os encantos e atractivos das nossas aldeias se mantenham: o silêncio das noites, a limpidez da água, a pureza do ar e da paisagem.
Ai a paisagem.
Um dia destes subi ao alto de S. Domingos, lugar a que me ligam recordações antigas. Ecos da caudalosa e ingénua, mas sempre aplaudida oratória do padre Marra, de Beça: «Para quem criou Deus a lua, cristãos? Para quem criou Deus o sol, cristãos? Para quem criou Deus as estrelas, cristãos? Foi para vós cristãos!» Saudades das saborosas merendas à sombra dos penedos.
Ao vezo da monumentalidade e da beleza dos penedos de S. Domingos é que eu ia.
Que desilusão…
Os belos penedos da Serra de S. Domingos foram criminosamente vandalizados. Inestimáveis obras de arte que o tempo levou milhões de anos a erguer e a aperfeiçoar, destruídos dum dia para o outro… Eu pasmo com a facilidade com que estes crimes de lesa-natureza se cometem.
A Serra de S. Domingos faz-me lembrar um rosto belo, jovem e saudável que, dum momento para o outro, começou a ser corroído pela lepra. A lepra do dinheiro…
Apetece-me perguntar: como é possível que os habitantes de Morgade e de Carvalhais fiquem indiferentes à destruição do seu património? Afinal, quem lucra com isto?
O mais triste e incompreensível, é que alguns dos mais belos afloramentos graníticos da Serra de S. Domingos, foram destruídos gratuitamente. Meteram-lhes algumas cargas de dinamite, puseram-lhes as entranhas à mostra e abandonaram-nos. Lembram belos animais feridos de morte, a apodrecer ao sol, com as tripas de fora.
Os povos primitivos viam os grandes rochedos como altares. Era aí que adoravam a divindade. Posteriormente, construíram-se os templos. Seja como for, acho que devia haver mais respeito pelas belezas com que Deus nos brindou.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 34 e ss.)

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