sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

MEAUS DOS MIXTOS

Hoje, terceiro domingo de Setembro, fui à missa a Meaus dos Mixtos, aldeia galega hoje pouco menos que deserta, mas ainda em meados do século passado um centro comercial florescente e muito concorrido. «Vinham gentes de Zamora abastecer-se em Meaus! –, gostam de sublinhar os poucos residentes que ainda por lá resistem. E apontam a dedo as belas casas de cantaria, hoje fechadas, outrora grandes comércios, desde uma agência bancária à farmácia.
Comecei a familiarizar-me com Meaus na imprensa montalegrense da Primeira República, a propósito da tomadia (por contrabando) do administrador do concelho, na altura a autoridade máxima cá dos sítios, por um guarda-fiscal do posto de Padroso. Procurem no jornal “O Combate» que vale a pena.
A missa era às onze. Cheguei sobre a hora e corri para a igreja.
É um templo pequeno. Mesmo assim, não estava cheio. Uns vinte fiéis, se tanto, e todos maiores de sessenta anos. Notei que todos me olhavam e sorriam com simpatia, satisfeitos e agradecidos por eu ir compartilhar com eles aquela confraternização dominical.
Acompanhei-os o melhor que pude nos sinais exteriores, mas, quanto a orações, não abri a boca. Primeiro por não estar muito seguro da cartilha. Segundo porque, rezando eles em galego, tive medo de destoar.
Acabada a missa, fui à sacristia pedir a bênção ao senhor abade, um rapaz novo e simpático, e aproveitei para uma vista de olhos pelos santos.
Novidade, apenas um busto, cabeça ou retrato dum Santo Cristo de terracota numa peanha de madeira embutida na parede, entre o púlpito e o arco-cruzeiro, coisa recente, assim me pareceu. Todos os outros, uns nove, se não errei na conta, num tríptico de talha antiga, atrás do altar. Identifiquei S. Brás, S. Bento, S. Domingos, duas Nossas Senhoras, S. António de Lisboa. Gostei de ver um santo português em terra estranha. «Olá, patrício?», cumprimentei, no silêncio do meu coração. E olhando para ele, assim de pé rosado, túnica pelo artelho, cintura quebrada pelo cordão, rostinho mimoso, Menino ao colo, com o seu quê de feminino, lembrei-me duma história de galegos que eu ouvia contar quando garoto. Perguntava um deles:
— Mira? Santo António é santo ou santa?
— Num che sei dicir se Santo António é santo ou santa. O que che sei dicir é que Santo António é madre de Nossa Senhora.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS II — Crónicas de Barroso (p. 107 e s.)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

EUGÉNIO

Eugénio de Andrade fez na semana passada 82 anos. A partir de certa altura, os aniversários são crepusculares rituais contra o esquecimento. Mas este era especial. Eugénio está doente, muito doente, e festejar o seu aniversário era um pouco como ficar algum tempo a seu lado segurando-lhe a cabeça na mão. Por isso os amigos decidiram juntar-se na sua casa do Passeio Alegre (a casa que Eugénio sempre quis que fosse, mais do que sua, a casa da própria poesia encheu-se de gente) para escutar de novo a voz dos seus versos. Eugénio não se sentou nessa noite no lugar da primeira fila onde sempre nos habituámos a vê-lo. No seu quarto do andar de cima, talvez dormisse. E, como num sonho, talvez, quem sabe?, distantemente lhe chegasse através das paredes translúcidas da doença o murmúrio de palavras antigas e perfeitas: mãe, mar, verão, memória. Ou o ruído caloroso das palmas no final de cada leitura. Nunca uma distância foi tão grande e tão intransponível como aquela, de alguns poucos imensos metros, separando o poeta da sua poesia, que é como quem diz separando-o de si mesmo.
Há no sofrimento algo de profundamente imoral. E algo de humilhante na luta da vida para negar a morte. «Tudo o que faz o verão subir a prumo / chegou ao fim. / / O frio, a sua teia branca, (...) não tardará», e, no entanto, a existência obstina-se contra a obscuridade, o corpo contra a sua própria determinação. «Fora / do corpo haverá alguma coisa?», algum móbil, alguma grande razão para além da razão?
A vida de Eugénio, ou a parte mais vital e, como dizer?, mais intransigente dela, foi, toda a gente o sabe, a sua poesia. Desapossado da poesia (Eugénio já não escreve; qualquer que seja o exasperado desígnio que move a vida contra a morte, o corpo contra o tempo, a poesia já não é para aí chamada), há algo que nem a doença nem o sofrimento podem tirar-lhe: aquilo que (a desperta luz dos sentidos, o fulgor rumoroso dos seres e das coisas) nos deu. Mas mesmo isso, mesmo a memória da infância ou, mais sombria e espessa, a memória dos amigos mortos, mesmo aquela passagem da Ilíada em que Príamo suplica a Aquiles que lhe entregue o corpo exangue de Heitor, mesmo os asfódelos em flor de Corfu, as maçãs verdes de Cézanne, os primeiros compassos da Lacrimosa, pouca coisa agora são.
O homem despojadamente frágil e humano que jaz no leito de Eugénio ou que paradamente se senta no sofá perto da janela (que pensará ele de nós quando nos olha sem nos ver ou quando, vindo de longínquos lugares, regressa de súbito ao nosso lúcido convívio e às nossas preocupações?) é hoje o palco extremo de um milagre mais fundo e mais inquieto do que o da poesia. E nenhuma palavra, nenhum poema é suficientemente grave para falar disso. Porque estamos todos sós. E porque não temos respostas. Provavelmente nem as perguntas certas temos, quanto mais respostas!
Uma grande ausência, um segredo que ninguém pronunciava em voz alta, asfixiava a casa, os móveis, os retratos na parede. Era talvez contra a ausência e contra a solidão que nesse dia de aniversário se erguiam, dizendo versos, as vozes dos amigos. Como se cada uma dissesse: «Tanta palavra para chegar a ti, / tanta palavra, / sem nenhuma alcançar / entre as ruínas (...)».

Visão, 27/01/2005 (Manuel António Pina)

domingo, 26 de janeiro de 2014

La jeune fille et le ramier

Les rumeurs du jardin disent qu’il va pleuvoir ;
Tout tressaille, averti de la prochaine ondée :
Et toi qui ne lis plus, sur ton livre accoudée,
Plains-tu l’absent aimé qui ne pourra te voir ?
Là-bas, pliant son aile et mouillé sous l’ombrage,
Banni de l’horizon qu’il n’atteint que des yeux,
Appelant sa compagne et regardant les cieux,
Un ramier, comme toi, soupire de l’orage.
Laissez pleuvoir, ô coeurs solitaires et doux !
Sous l’orage qui passe il renaît tant de choses.
Le soleil sans la pluie ouvrirait-il les roses ?
Amants, vous attendez, de quoi vous plaignez-vous ?

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Coimbra, 22 de Janeiro de 1979.


SOLIDÃO

Não aprendo a lição.
A vida bem me ensina
Mas a minha atenção
Perde-se em cada esquina
Do caminho.
Adivinho
O que sei.
E nunca sei senão que me enganei
E que vou mais sozinho.

Por isso canto a dar sinal de mim
E a exorcizar o medo.
Este medo
Em segredo
Que me atormenta.
Medo animal,
Primordial,
Carnal,
Que quanto mais avanço mais aumenta.

MIGUEL TORGADIÁRIO XIII

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

TRÊS COELHOS DUMA CAJATADA

Quando um homem está a contar com uma coisa e lhe sai outra, fica sempre desconsolado. Foi o que aconteceu comigo nesta quadra natalícia. Estava a contar com neve. Afinal, o céu teimou em manter-se limpo, o sol a brilhar, a geada a cair. Uma espécie de Janeiro antecipado. Nos meus tempos de garoto, dias destes, só a partir do Ano Novo. Era então que o sol se tornava álgido, a lua altaneira, as geadas de palmo.
Foi por dias desses que eu aprendi a patinar no gelo. Nos lameiros onde eu guardava as vacas, nessa época do ano sempre encharcados, formavam-se grandes lagos de carambelo, verdadeiras tentações para umas acrobacias de patinagem artística, as quais, no meu caso, não tinham arte nenhuma. Aquilo era tombo que te parte, com grandes mossas no esqueleto, dum modo particular nas partes mais salientes, género cóccix e cotovelos. Por amor ao esqueleto, mudei de táctica. Em vez de esqui, passei a fazer escu. Consistia ele em cavalgar molhos de urzes ou giestas e descer as encostas vidradas a grande velocidade, rédea firme, tronco inclinado para trás, pernas em estradiota, goelas abertas, numa atitude selvagem, nem mais nem menos ridícula do que aquela que mais tarde vi fazer a pessoas mais civilizadas na montanha russa da Feira popular de Lisboa.
A brincadeira valeu-me alguns rasgões nos fundilhos, outras tantas bofetadas de minha mãe e ordens expressas de meu pai para me deixar de cavalgadas no gelo. E dado que meu pai não era de brincadeiras, eu passei a esconder-me para as fazer. Ia lá para uma touça com uma fonte e uma lameira em plano inclinado, sempre coberta de gelo e tão recatada entre urzeiras como o toucador duma gueixa entre biombos. Era aí que eu cavalgava matões a meu bel-prazer e à rédea solta.
Ora uma tarde em que eu me entregava ao meu desporto favorito e proibido, sai-me dentre as urzes o meu cão com um coelho na boca. Isto não teria nada de anormal se, atrás do coelho, não viesse uma ratoeira a rastos. Recolhi o coelho ao bornal, fiz umas festas ao Dezoito, que assim se chamava o cão, atirei com a ratoeira à lura dum carvalho antigo e com o assunto para trás das costas.
Era isto a um domingo e eu aluno da quarta classe. Vim para casa, meti as vacas, ceei mais cedo e fui dormir a S. Vicente, onde, segunda-feira, a professora exigia a nossa presença logo ao romper o dia. À hora do recreio, estava o meu vizinho Joaquim do Fontenova, praça velha, direito comigo. Pelos vistos, a ratoeira era dele. Neguei, claro.
— Ai sim? E onde foste tu pelo coelho que ontem trouxeste para casa?
— Agarrou-o o meu Dezoito.
— Na minha ratoeira?
— Não vi ratoeira nenhuma, já te disse!
— Acuso-te à professora.
— Acusa. Quero lá saber.
Nesta altura da discussão já estávamos rodeados por todos os alunos das quatro classes e uma boa parte dos vizinhos de S. Vicente. E até o senhor abade, que regressava do passal de cabeção, batina, tamancos e sacho às costas, quis saber que galega parira ali? Inteirado, pôs aquela cara de bondade e riso que era a dele e disse:
— Vá. Ide à vossa vida. Deixai-me aqui só com o Fontenova e o Marinheiro que lhes quero um segredo.
A malta dispersou. O pároco voltou-se para o Fontenova e inquiriu:
— Quantos coelhos tens em casa?
— Um.
— Não. Tu, às ratoeiras que armas todas as noites, deves ter mais?
— Bem. Se o senhor abade tem alguma incumbência, podem-se arranjar mais alguns.
— Quantos?
— Uns quatro ou cinco.
— Preciso apenas de dois.
— Onde quer que lhos deixe?
— Entrega-los aqui ao Marinheiro.
— Para quê?!
— Ele te dizer onde está a ratoeira.
— E o senhor abade fica por ele? — atalhei eu a rir-me.
Ele ameaçou-me com um tabefe:
— Anda, que tu és malandro, mas desta já eu te safei.
No domingo seguinte, estando eu no adro entre um ror de rapazes e homens à espera do toque de entrada para a missa, vem de lá o Faia de Travassos, sempre pantomineiro, bate-me duas palmadinhas nas costas e exclama:
— Ora aqui está o homem que matou três coelhos duma cajatada...

Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS II — Crónicas de Barroso (p. 125 e ss.)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Coimbra, 17 de Janeiro de 1978.


INVERNO

Apagou-se a fogueira.
Que frio na lareira
Do coração!
Neva
Na solidão
Da vida.
E o vento traz e leva
Um recado de eterna despedida.

Amor! Amor!
Sei ainda o teu nome redentor,
Chamo ainda por ti a cada hora!
Arde outra vez em mim
Como ardias outrora,
Os dias de ventura.
Não me deixes assim
Nesta algidez de morte prematura.

Miguel Torga, DIÁRIO XIII
 

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

UM FUMADOR CONFESSA-SE

Eu sei que «fumar mata», que «bloqueia as artérias e provoca ataques cardíacos e enfartes», que «prejudica o esperma e reduz a fertilidade», não tenho dúvida nenhuma de que «o fumo contém benzeno, nitrosaminas, formaldeído e cianeto de hidrogénio» e que palavras tão ameaçadoras hão-de decerto causar doenças esquisitas e terríveis. Perguntar-me-ão então por que fumo. E a única resposta que tenho, não sendo talvez satisfatória para algumas pessoas, é: « porque quero».
Como não pretendo (sou um tipo sociável) matar, bloquear as artérias ou prejudicar o esperma «dos que me rodeiam», evito fumar perto de quem não queira (pois tem todo o direito de não querer) fumar o meu fumo, mesmo respirando eu diariamente o fumo dos seus escapes e o perfume das suas águas-de-colónia (gasto fortunas em anti-histamínicos para tratar alergias apanhadas em elevadores!).
E aceito com toda a condescendência de que sou capaz que me expulsem dos seus, dos não-fumadores, restaurantes e dos seus «locais fechados» (na verdade nem aprecio especialmente «locais fechados», cabeças fechadas incluídas). Já me é mais difícil aceitar as suas, e as do director-geral de Saúde, lições de moral, e o seu paternalismo, até porque as artérias e o esperma são (perdoe-se-me o pretensiosismo) meus, e enquanto não entrarem em autogestão sou eu quem os representa. É certo que, se o tabaco um dia me causar um AVC ou outro tanglomanglo qualquer, os não-fumadores irão pagar com os seus impostos o meu internamento, mas também eu pagarei com os meus o seu e ninguém me vê a proibi-los de se atafulharem de macburgers e de álcool (no caso do álcool, os meus impostos - eu, que não bebo - andam há anos a pagar, além do internamento, a fisioterapia dos estropiados que diariamente quem bebe, fumador e não-fumador, provoca na estrada).
Vendo bem as coisas, em vez de pôr-me uma estrela amarela ao peito e me encerrar em gafarias com exaustão de fumos, o Estado deveria atribuir-me subsídio de risco e o Dr. Teixeira dos Santos condecorar-me pela minha contribuição para a redução do défice e para a sustentabilidade da Segurança Social. De facto, pago mais impostos que os não-fumadores e, além disso, morrerei cedo (e nem sequer de rosas coroado), em vez de me arrastar por aí cheio de saúde até aos 100 anos, a receber pensão.
Reconheço que tusso como Lee Marvin em Cat Ballou, que, se calha ter que subir a pé um lanço de escadas ou correr atrás de um autocarro, chego ao fim com os bofes de fora e o coração aos pinotes, e admito que os meus pulmões, outrora belissimamente cor-de-rosa, se assemelhem hoje a um saco de borras de café, mas ninguém tem nada a ver com o preço que pago para fruir o prazer de um Cohiba ou de um Romeu e Julieta. Não tenho a mínima intenção de ser o morto mais saudável do meu cemitério e agora, «when I'm sixty four», aos que lamentam, ó Nise, o meu estado (mesmo assim, podia ser pior...), respondo, com Humphrey Bogart, o óbvio: quanto pior se acorda de manhã melhor se passou a noite.

NM, 13/01/2008

sábado, 11 de janeiro de 2014

Coimbra, 11 de Janeiro de 1980.


LÁPIDE

Luís Vaz de Camões.
Poeta infortunado e tutelar.
Fez o milagre de ressuscitar
A Pátria em que nasceu.
Quando, vidente, a viu
A caminho da negra sepultura,
Num poema de amor e de aventura
Deu-lhe a vida
Perdida.
E agora,
Nesta segunda hora
De vil tristeza,
Imortal,
É ele ainda a única certeza
De Portugal.


Miguel TorgaDIÁRIO (XIII)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Coimbra, 9 de Janeiro de 1979.


MUSA

Se vens, perco a razão
E digo o que não quero.
Se não vens, desespero
E gasto o coração
A desejar-te.
Ah, como é difícil a arte
De te ser fiel!
E como é cruel
A tua tirania!
Noite e dia
Pregado
A um madeiro sagrado
De amargura.
Duramente sujeito,
Ou então contrafeito
Na minha liberdade sem loucura.

MIGUEL TORGADIÁRIO (XIII)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

MEAUS DOS MIXTOS

Hoje, terceiro domingo de Setembro, fui à missa a Meaus dos Mixtos, aldeia galega hoje pouco menos que deserta, mas ainda em meados do século passado um centro comercial florescente e muito concorrido. «Vinham gentes de Zamora abastecer-se em Meaus! –, gostam de sublinhar os poucos residentes que ainda por lá resistem. E apontam a dedo as belas casas de cantaria, hoje fechadas, outrora grandes comércios, desde uma agência bancária à farmácia.
Comecei a familiarizar-me com Meaus na imprensa montalegrense da Primeira República, a propósito da tomadia (por contrabando) do administrador do concelho, na altura a autoridade máxima cá dos sítios, por um guarda-fiscal do posto de Padroso. Procurem no jornal “O Combate» que vale a pena.
A missa era às onze. Cheguei sobre a hora e corri para a igreja.
É um templo pequeno. Mesmo assim, não estava cheio. Uns vinte fiéis, se tanto, e todos maiores de sessenta anos. Notei que todos me olhavam e sorriam com simpatia, satisfeitos e agradecidos por eu ir compartilhar com eles aquela confraternização dominical.
Acompanhei-os o melhor que pude nos sinais exteriores, mas, quanto a orações, não abri a boca. Primeiro por não estar muito seguro da cartilha. Segundo porque, rezando eles em galego, tive medo de destoar.
Acabada a missa, fui à sacristia pedir a bênção ao senhor abade, um rapaz novo e simpático, e aproveitei para uma vista de olhos pelos santos.
Novidade, apenas um busto, cabeça ou retrato dum Santo Cristo de terracota numa peanha de madeira embutida na parede, entre o púlpito e o arco-cruzeiro, coisa recente, assim me pareceu. Todos os outros, uns nove, se não errei na conta, num tríptico de talha antiga, atrás do altar. Identifiquei S. Brás, S. Bento, S. Domingos, duas Nossas Senhoras, S. António de Lisboa. Gostei de ver um santo português em terra estranha. «Olá, patrício?», cumprimentei, no silêncio do meu coração. E olhando para ele, assim de pé rosado, túnica pelo artelho, cintura quebrada pelo cordão, rostinho mimoso, Menino ao colo, com o seu quê de feminino, lembrei-me duma história de galegos que eu ouvia contar quando garoto. Perguntava um deles:
– Mira? Santo António é santo ou santa?
– Num che sei dicir se Santo António é santo ou santa. O que che sei dicir é que Santo António é madre de Nossa Senhora.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS II – Crónicas de Barroso (p. 107 e s.)