quinta-feira, 31 de março de 2011

José Rodrigues Miguéis / José Saramago (1959-09-27)

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319 East 17th St
New York 3, NY

Domingo, 27 de Set. de 59

Meu caro Saramago:

As vossas notícias, os cheques, contrato, algarismos, - tudo foi calorosamente acolhido (carta de 16, rec. a 18). Escrevo-lhe hoje à pressa para não atrasar mais a devolução e os agradecimentos. Adiante serei mais prolixo! – Agradeço muito ao Sr. Canhão a bondade dos números de venda (até Julho, inel.): a minha vaidade de tímido inchou! 622 vols por mês, 2490 ao todo (sem contar a Aventura) é para a gente se benzer. Nada me poderia tornar mais feliz. Vejo que até o Homem Sorri vai saindo como uma novela: por este andar não tarda que tenhamos de pensar na segunda ed., mas comum. Não vale a pena esperar que eu tenha outros materiais do género para lhe juntar, como pensava o Nataniel, porque se vê que é um livro por si, pode viver e andar sozinho… Do que NÃO me diz depreendo que a Noite amanhecerá um pouco mais tarde… Estou ansioso por vê-la. Mas creio que não convém submergir os leitores nem irritar os ânimos sensíveis… Este Miguéis está desencadeado! (Acabo de mandar um longo artigo, rábido, para o número do 5 de Out. da República: duvido que saia, mesmo cortado. Não deixe de o ver! Para o D. de Lxa mandei há semanas uma imaginária «Introdução» à Aventura que aqui vim encontrar entre velhos papéis. Não sei se a publicaram.)
Conheço há muitos anos o chefe da Noonday Press, Hemley: é uma casa de vanguarda (paperbacks) de recursos limitados, mas séria. Tem lançado Eças, vários Machados de Assis, modernos, etc. Quando as coisas estiverem mais maduras irei tratar com ele, e então lhes darei informação. Preciso saber qual o pagamento simbólico que a COR reclama! (dos meus direitos de autor). Da Escola do Paraíso já refiz mais de 100 folhas, e tenho-a melhorado muito. E, porque o tinha prometido ao Agostinho Fernandes, da Portugália, traduzi todo o Grande Gatsby, e estou a revê-lo! Trabalho muito? Não há mais que fazer, não há Conversa!…
Como vê, nada alterei no contrato. Quanto aos pagamentos, preferia que adquirissem cheques em dólares – se não é mais trabalho: o limite, por pessoa e por dia, é de cem dólares: seriam dois cheques, um de cem, outro da fracção restante. Os cheques-escudos obrigam-me a várias démarches em bancos distantes – os de dólares troco-os aqui na vizinhança. Mas isto, só se não lhes criar complicações.
Estou certo de que a sua revisão da Noite é primorosa! Reparo agora que não cheguei a ler a Carta final.
Desculpe o tom corrido – o exílio obriga-me a escrever dezenas de cartas, o que me arrasa. Para não se lhe tomar pesado escrever-me (não falo das «cartas oficiais») basta anotar em dois rabiscos o que for tendo a dizer-me, e depois mete tudo num envelope; duas fls leves custam 4$50, creio. Não quero roubar-lhe um tempo precioso.
Como há aqui pessoas interessadas em histórias para televisão, ou trad., etc., tenho que lhes pedir em breve que me mandem alguns exemplares dos meus livros, para ofertas. E professores, etc.
Se o Coração Solitário continua a sair mal, creio que já o lembrei ao nosso amigo Correia: talvez valesse a pena fazer uma cinta: Tradução de JRM – prémio CCB, etc.
Abraços plurais para todos, com os melhores votos e os agradecimentos do

Miguéis 

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