terça-feira, 22 de março de 2011

Miguel Torga - 22 de Março de 1979

          Coimbra, 22 de Março de 1979 — Os profetas do passado eram sibilinos; os de agora são transparentes. Foi há pouco, ao ler o discurso que Soljenitsine pronunciou em Harvard, que dei por isso. Diante da premência de uma realidade de ogivas nucleares apontadas à vida, os oráculos deixaram-se de rodeios e falam com as letras todas. Mas é como se escrevessem a preto no preto. Nada adiantam. Pelo contrário. Enquanto que os antigos, no seu verbo equívoco, ainda espalhavam a semente fecunda da inquietação, eles, sem concederem, na crueza dos vaticínios, qualquer benefício à dúvida e à esperança, parece que embotam a capacidade de reacção dos ouvintes. Ao clarão da evidência, a humanidade, aturdida, recusa-se a entender uma ameaça que excede os limites do seu próprio medo.
DIÁRIO (XIII)

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