terça-feira, 29 de março de 2011

Vergílio Ferreira (29 de Março de 1989)

29 – Março (quarta). Precisava tanto de escrever, escrever. Desfazer-me em escrita. Criar o meu espaço habitacional. Existir em escrita. Mas a minha cabeça e o descalabro dos meus nervos e o insuportável mal-estar e o cansaço interior que é cansaço de estar e não de ficar, tudo isso me aniquila e faz de mim um farrapo. As minhas obrigações, que se estão nas tintas para o meu estado físico e psíquico, acrescentam-me a incomodidade com incidência na consciência. E então, porque sou um subdesenvolvido moral, dou-lhes o despacho que posso. Hoje escrevi uma carta ao Luís Mourão que está fazendo uma tese de mestrado sobre o meu diário, porque nas inovações rasgadas com que quis dar ar ao bolor da tradição académica, lembrou-se de incluir cartas dele para mim e E. P. Coelho e de nós para ele. O Prado Coelho, lançado agora na grande roda cultural de Paris, não sei se terá tempo para corresponder ao rasgo de um Professor de Braga. Devia ter. O Professor de Braga tem a marca de um grande ensaísta, como toda a gente o saberá daqui a uns dez anos. E como eu o não poderei saber então, vou-o sabendo agora. E é tudo.
*
Lancei uma «reflexão» no livro das ditas. Desenvolvi o Capítulo XI do romance. Curiosa e intimidante coisa: este romance está a querer deitar um «físico» que não é de (interrompido).

conta-corrente - nova série I (1989), p. 58

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