sábado, 12 de março de 2011

A MAÇUCA

Pois, benévolos e caríssimos leitores, é como lhes conto: nos pretéritos dias 11 e 12 do corrente mês de Outubro, estive em Vila Real. E que foste tu lá fazer? — perguntar-me-ão. Gozar umas curtas férias no hotel Miracorgo, cuja localização, conforto e serviço pedem meças aos melhores da Europa. Viva o luxo! E os Serviços de Cultura da Câmara que tiveram a generosidade de mas oferecer a troco duma hipotética participação no «Encontro Saber Trás-os-Montes». Tão hipotética e duvidosa que me atrevi a falar de «Métodos Artesanais de Caça», ou reminiscências da minha infância passarinheira, ou arte de bem armar uma costela. Duas costelas partidas merecia eu pelo atrevimento de levar a tão douta assembleia um tema tão corriqueiro e de telhas abaixo. Mas ninguém me bateu. Pelo menos com a palmatória. Que palmas, bateram-me até de mais. Bons amigos.
Terminado e «Encontro», o mais sensato seria eu regressar ao Porto pelo Marão. Mas encontrando-me na capital da antiga e famigerada Terra de Panoias e hoje nosso distrito, não resisti à tentação de dar a volta por Barroso. Nesse intuito galguei velozmente as camilianas terras da Samardã e Vale de Aguiar, Pedras e Vidago. Aqui, volvi à esquerda e moderei o passo. Estava sol e eu em terras familiares: Costa de Anelhe, rincão do melhor vinho que, no meu avinhado parecer, alguma vez se bebeu em Terras de Barroso. Parei para roubar uma uva. A mulher não me deixou:
— Queres apanhar alguma chumbada?
— Oh, menina! Hoje já ninguém espeta um tiro num cristão por causa dum cacho.
— Nunca fiando. Come-lo nas Boticas, no restaurante.
Antigamente, nas Boticas, o «Restaurante» era o «Santa Cruz». Encontrei-o fechado. Que desconsolo! Segundo me informaram in loco, um chefe de finanças sobrecarregou-o de tal maneira de impostos que a dona, uma excelente, honesta e simpática senhora, não aguentou a pancada. Que bem e barato se lá comia… E, a ser verdadeira a informação, que bofetadas se perderam nas ventas do tal chefe de finanças… E agora?
Indicaram-nos outro.
A ementa propunha, logo à cabeça, «Posta Barrosã.» Venha ela.
Tinha comido, em Vila Real, «Posta Maronesa». Lembro-me de ter provado, em vários locais, «Posta Mirandesa». Que me perdoem as gentes do Marão e as de Miranda, mas, para o meu paladar, a «Barrosã» é a melhor das três. Mais tenra, mais apaladada, mais suculenta.
À sobremesa, pedi uvas. Não tinham!
— E maçãs?
Trouxeram uma rotulada, insípida, estrangeira. Que falta de gosto, para não dizer, de patriotismo! Com tão boas maçãs que há em Boticas! Ou, pelo menos, havia. Por isso lhes chamavam «Os Frutiquieros das Boticas». Com saudades eu me lembro de quando, por esta altura do ano, Agosto, Setembro, os das Boticas e vale do Terva subiam ao Planalto Barrosão com os burros carregados de maçãs a trocar por batatas, ela por ela! A «maçuca», como dizia, com imenso desdém, meu nunca assaz chorado mestre Saias: «Não trazem eles um saco de chouriças…»
Fiquei inconsolável. Saí do restaurante disposto a assaltar qualquer macieira, grande ou pequena, que me aparecesse pela frente. Apareceu-me uma jovem Eva a enterrar o luminoso dente numa tentadora maçã. Interpelei-a:
— Onde arranjaste isso?
— Colhi-a na árvore.
— Só essa?
— Não. Trouxe uma abada.
— E não me dás uma?
— Quantas quiser.
Ela a passar-me o fruto e eu a ferrar-lhe os dentes todos.
No dia seguinte a cara-metade trouxe-me do supermercado um quilo de maçãs iguaizinhas às das Boticas: no tamanho, na cor, no paladar:
— Já que gostas tanto delas, aqui as tens. Mas consola-te, que te não compro mais. São muito caras. Quinhentos escudos o quilo…
— O quê?!
Então nas Boticas apodrecem nas árvores, no Planalto valem uma batata e no Porto quinhentos escudos?!!! Aqui anda mistério ou muita roubalheira… Abri os olhos, Barrosões!

Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso, p. 18 e ss.

Sem comentários:

Enviar um comentário